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segunda-feira, 23 de julho de 2018

OS MANDAMENTOS SÃO DEZ: SUA DIVISÃO COVENIENTE


Com efeito, se bem que a lei inteira foi contida nesses dois tópicos, entretanto, para que removesse todo pretexto de escusa, nosso Deus quis expor mais difusa e explicitadamente em dez mandamentos, quer tudo quanto lhe diz respeito à honra, ao temor, ao amor, quer o que concerne à caridade que, em relação aos homens, nos ordena por amor de si mesmo. Nem é mal aplicado o esforço em diligenciar conhecimento da divisão dos mandamentos, desde que lembres ser coisa desse gênero em que a opinião de cada um deva ser livre, em função da qual não se deve litigar contenciosamente com quem dissinta. Este ponto tem de ser, por certo, por nós necessariamente abordado, para que os leitores não se riam, nem se admirem da divisão que estamos para propor, como se fosse nova e recentemente cogitada. Está além de qualquer dúvida que a lei é dividida em dez preceitos, uma vez que isto se comprova freqüentemente pela autoridade do próprio Deus. Porquanto disputa-se não quanto ao número, mas acerca da maneira de dividir os mandamentos. Aqueles que assim os dividem, que conferem três mandamentos à primeira tábua e relegam os sete restantes à segunda, eliminam do número o mandamento referente às imagens, ou, quando menos, o ocultam debaixo do primeiro, quando não foi dúbia e distintamente expresso pelo Senhor como um mandamento específico, enquanto dividem improcedentemente em dois o décimo, quanto a não cobiçar as coisas do próximo. Acresce que ter sido tal maneira de dividi-los desconhecida em uma era mais pura, logo se perceberá.
Outros enumeram conosco quatro artigos na primeira tábua, mas em lugar do primeiro mandamento colocam a promessa, sem o preceito. Eu, porém, porque, a não ser que seja convencido por razão evidente, tomo as “dez palavras” em Moisés como os Dez Mandamentos, e a mim me parece vê-los dispostos precisamente na mais excelente ordem, permitida a eles sua opinião, seguirei o que a mim mais se recomenda, a saber, que o que esses tomam como sendo o primeiro mandamento, tem o lugar de prefácio à lei como um todo. Seguem, então, os mandamentos: quatro da primeira, seis da segunda tábua, ordem em que serão considerados. Orígenes166 transmitiu esta divisão sem controvérsia, exatamente como fora recebida indistintamente em seu tempo. Sufraga-a também Agostinho167 escrevendo a Bonifácio, o qual conserva esta ordem na enumeração: que se sirva ao Deus único com a obediência da religião, que não se adore um ídolo, que não se tome em vão o nome do Senhor, quando antes falara separadamente acerca do mandamento figurativo do Sábado. Em outro lugar, é verdade, lhe sorri aquela primeira divisão, todavia por uma razão demasiadamente trivial, a saber, que no número ternário (se a primeira tábua se compõe de três mandamentos) tranluz ainda mais o mistério da Trindade. Contudo, nem ali disfarça que, em outros aspectos, que a nossa lhe agrada mais. Além desses, conosco está o autor da obra inacabada acerca de Mateus.168 Josefo,169 sem dúvida com base no consenso comum de seu tempo, atribui cinco mandamentos a cada tábua, o que nisto conflita com a razão: que elimina a distinção de religião e caridade; ademais, é refutado pela autoridade do Senhor, que em Mateus [19.19] coloca no rol da segunda tábua o mandamento de honrar os pais. Ouçamos agora Deus mesmo a falar com suas próprias palavras.

João Calvino