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quinta-feira, 19 de julho de 2018

A LEI NOS MOSTRA UMA PERFEIÇÃO QUE JAMAIS ATINGIMOS, PELA QUAL NOS LEVA, NECESSARIAMENTE, À CONDENAÇÃO


É-nos, porém, de importância conhecer sucintamente como, ensinados pela lei moral, nos tornamos mais inescusáveis, para que a condição de culpados nos incite a buscar o perdão. Se é verdadeiro que na lei se nos ensina a perfeição da justiça, também isto se deduz: sua absoluta observância é a perfeita justiça diante de Deus, mercê da qual, naturalmente, o homem é julgado e considerado justo perante o tribunal celeste. Por cuja razão, promulgada a lei, Moisés não hesita em invocar por testemunhas ao céu e à terra de que havia posto diante de Israel a vida e a morte, o bem e o mal [Dt 30.l9]. Nem há de contraditar-se que à justa obediência da lei esteja reservada a recompensa da salvação eterna, como foi prometida pelo Senhor. Por outro lado, entretanto, é-nos de relevância reconhecer se porventura prestamos essa obediência a cujo mérito se deva atribuir a confiança de alcançar essa recompensa. Porque, de que nos serviria saber que o prêmio da vida eterna consiste em guardar a lei, se não sabemos também que por este meio podemos alcançar a vida eterna? Neste ponto, com efeito, faz-se patente a fraqueza da lei, porquanto, uma vez que essa observância da lei em nenhum de nós se depreende, excluídos das promessas da vida, só nos resta a maldição. Refiro-me não apenas ao que acontece, mas ainda ao que deve necessariamente acontecer, pois, se bem que o ensino da lei esteja muito acima da capacidade humana, o homem pode, sem dúvida, contemplar de longe as promessas apostas, sem contudo delas colher fruto algum. Portanto, resta isto somente: que da excelência destas promessas melhor estime o homem sua própria miséria, enquanto, cortada a esperança da salvação, reconhece ameaçá-lo, inexoravelmente, a morte. De outro lado, pendem horríficas sanções, às quais enredilhados, nos constringem não a poucos de nós, mas a todos, um por um; pendem sobre nós, repito-o, e nos acossam com inexorável aspereza, de sorte que na lei descortinamos mui presente a morte.

João Calvino