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quarta-feira, 18 de julho de 2018

SÃO DESCABIDAS AS ADMOESTAÇÕES E IMPOSIÇÕES ÉTICAS

QUARTA OBJEÇÃO:

Insistem, ademais, que em vão se fazem exortações, que supérfluo é o uso de admoestações, que ridículas são as repreensões, a não ser que no pecador esteja o poder de obedecer. Como outrora objeções como estas se antepusessem a Agostinho, ele se viu obrigado a escrever o tratado Da Correção e da Graça, onde, ainda que fartamente refute a essas cavilações, contudo chama a atenção dos oponentes para este ponto capital: “Ó homem, no preceito saibas o que deves fazer; na correção saibas que por tua falta não o tens; na oração saibas donde hajas de receber o que queres ter.” Quase do mesmo teor é o livro Do Espírito e da Letra, em que ensina que Deus mede os preceitos de sua lei não conforme as forças humanas, mas, em verdade, onde ordenou o que é reto, graciosamente outorgou a seus eleitos a capacidade de cumpri-lo. Com efeito, esta não é matéria de longa discussão. Acima de tudo, não estamos sós nesta causa; pelo contrário, Cristo e todos os apóstolos estão conosco. Vejam esses como hajam de levar a melhor na luta que intentam com antagonistas como tais. Cristo, que declara que sem ele nada podemos fazer [Jo 15.5], porventura com isso reprova e pune menos os que, à parte dele próprio, faziam o mal? Porventura com isso exorta menos a que cada um se devote às boas obras? Quão severamente Paulo investe contra os coríntios [1Co 3.3] em razão de sua negligência do amor fraternal! [1Co 16.14]. Contudo, por fim suplica que esse amor seja, pelo Senhor, dado aos mesmos coríntios. Afirma, na Epístola aos Romanos [9.16], que não é do que quer, nem do que corre, mas de Deus que se compadece; entretanto, depois disso não deixa de admoestar, de exortar e de repreender. Portanto, por que ao Senhor não importunam para que assim não labore em vão exigindo dos homens aquilo que só ele pode dar e castigando aquilo que se comete em virtude da ausência de sua graça? Por que não admoestam a Paulo a que poupe àqueles em cuja mão, a não ser que a misericórdia de Deus lhes vá adiante, que agora os tem desassistido, não está o poder de querer ou de correr? Como se, de fato, não se patenteie no próprio Senhor a mais excelente razão de sua doutrina, que prontamente se oferece aos que mais piedosamente a buscam! Com efeito, Paulo indica quanto de si contribuem o ensino, a exortação e a repreensão para mudar a mente, quando escreve: “Nem o que planta é algo, nem o que rega, mas só o Senhor é que dá o crescimento e opera eficazmente” [1Co 3.7]. Assim, vemos sancionar Moisés, com toda severidade, os preceitos da lei [Dt 30.19], e os profetas acremente instarem com os transgressores e a ameaçá-los. Vemos, entretanto, como professam ter entendimento, então finalmente os homens, quando se lhes dá coração para que entendam [Is 5.24; 24.5; Jr 9.13-16; 16.11-13; 44.10-14; Dn 9.11; Am 2.4], são a própria obra de Deus, a circuncidar os corações [Dt 10.16; Jr 4.4] e a dar corações de carne em lugar de corações de pedra [Ez 11.19], a gravar sua lei nas entranhas [Jr 31.33], afinal, a renovar as almas [Ez 36.26] e a fazer com que a doutrina lhes seja eficaz.

João Calvino