Total de visualizações de página

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A ORDENAÇÃO PRESBITERAL OU DIACONAL É MATÉRIA DE POMPA E FORMALIDADES, SENDO INVESTIDAS PESSOAS DE REDUZIDO GABARITO, SOB EXAME INEXPRESSIVO, PARA FUNÇÕES IMPROCEDENTES

Mas, ainda que esses abusos mais crassos sejam mitigados, porventura não é isso sempre absurdo, a saber, constituir um presbítero a quem nenhum lugar se designe? Ora, a ninguém ordenam senão para oficiar sacrifícios. A legítima ordenação de um presbítero, no entanto, é para o governo da Igreja; o diácono é chamado para a ministração da esmola. Certamente que obscurecem o que fazem com muitas pompas, para que pela própria aparência sustenham a veneração entre os simplórios; mas, entre os judiciosos, que podem valer essas máscaras onde nada de sólido ou verdadeiro está por debaixo? Pois empregam cerimônias tomadas do judaísmo, ou engendradas por eles mesmos, das quais preferível fora abster-se. Do verdadeiro exame, no entanto – pois não levo em conta essa sombra que retêm –, do assentimento do povo, de outras coisas necessárias, não se faz nenhuma menção. Sombra chamo a esses trejeitos ridículos urdidos em tola e fria imitação da antigüidade. Os bispos têm seus vigários que lhes indagam, antes da ordenação, quanto à doutrina. Não obstante, o que indagam? Perguntam se porventura sabem dizer bem suas missas, se sabem declinar um nome vulgar que ocorrerá na leitura, conjugar um verbo; se porventura conhecem o significado de uma palavra, uma que seja, pois nem é necessário que sequer saibam dar o sentido de um único versículo. Contudo, nem ainda assim são barrados do sacerdócio aqueles que são deficientes até mesmo nestes elementos pueris, contanto que tenham trazido alguma recomendação de dinheiro ou favor. Da mesma farinha é quando são os ordenados conduzidos ao altar e três vezes se pergunta, e isto em latim, ainda que o que responde não o entenda, se porventura são dignos de honra. Responde um que jamais os viu; mas, para que algo não falte à encenação, ele toma parte na peça: “São dignos.” Do quê se pode acusar estes venerandos pais, senão que, com recrear-se em tão manifestos sacrilégios, sem qualquer pudor escarnecem de Deus e dos homens? Mas, visto que estão em posse diária desta matéria, acreditam que isso lhes é lícito. Pois, quem quer que ouse abrir a boca contra essas tão claras e tão atrozes abominações, tal como aquele que, outrora, trouxera a público os sagrados ritos de Ceres, é por eles arrebatado a julgamento capital. Porventura eles fariam isto, se pensassem existir algum Deus?

João Calvino