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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O TRÁFICO DESREGRADO E ABUSIVO NA COLAÇÃO DOS BENEFÍCIOS ECLESIÁSTICOS

No tocante à colação dos benefícios, que antigamente era irmanada à promoção, a de agora se separa completamente, eles se conduzem melhor? Há, porém, entre eles variadas formas de proceder, pois não só são os bispos a conferir os benefícios; e ainda quando eles os conferem nem sempre têm autoridade absoluta, pois há outros que têm a apresentação. Em suma, cada um leva o que pede. Ocorrem também nomeações por parte de escolas, resignações, quer simples, quer feitas por causa de mudança, rescritos comendatícios, prevenções e tudo quanto é desse gênero. Contudo, todos se conduzem de tal modo, que nenhum deles tem como censurar ao outro. À luz desse fato concluo que entre cem apenas se dá um só benefício no papado sem simonia, se por simonia entendemos o que os antigos entendiam. Não estou dizendo que todos os compram com dinheiro contado; porém admito que um dentre vinte há que não chegue ao sacerdócio por alguma recomendação tortuosa. Alguns são promovidos por parentesco ou afinidade; outros, pela autoridade dos pais; outros alcançam favor para si mercê de obséquios prestados. Afinal, os sacerdócios são conferidos para este fim, não com vistas às igrejas, mas àqueles que os recebem. Portanto, chamam-nos benefícios, termo por meio do qual declaram sobejamente que os têm não em outra categoria senão como donativos de príncipes, com os quais ou conciliam o favor dos soldados, ou lhes recompensam os trabalhos. Deixo de considerar que estes prêmios são conferidos a barbeiros, cozinheiros, arrieiros e a homens dessa ralé. Com efeito, os tribunais quase que de nenhum litígio mais retumbam hoje do que por causa dos sacerdócios, de sorte que se pode dizer que não são outra coisa senão presa lançada diante dos cães para sua caçada. Porventura isto é sequer tolerável de se ouvir – que sejam chamados pastores aqueles que se arremetem à posse de uma igreja como que sobre uma propriedade inimiga, que a tenham conseguido mediante contestações forenses, que a tenham comprado com dinheiro, que a tenham obtido mercê de sórdidos obséquios, que, como meninos que mal balbuciam, a tenham apropriado, como se fosse hereditária de tios e parentes, algumas vezes como bastardos recebem de seus pais?

João Calvino