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terça-feira, 6 de novembro de 2018

A POMPA E SUNTUOSIDADE DA IGREJA PAPAL CONSTITUEM DETURPAÇÃO, NÃO EXPRESSÃO DA DIGNIDADE DO REINO DE CRISTO

Aqui, porém, usam de mui atraente pretexto, pois dizem que a dignidade da Igreja não é indecentemente sustentada com esta magnificiência. E alguns de sua seita se mostram tão impudentes, que ousam alardear escancaradamente que afinal se cumprem aqueles vaticínios com que os antigos profetas descrevem o esplendor do reino de Cristo, quando se contempla esse régio aparato na ordem sacerdotal. Não sem razão, dizem eles, Deus prometeu essas coisas a sua Igreja: “Virão reis, adorarão diante de ti, trazer-te-ão oferendas” [Sl 72.10, 11]; “Levanta-te, levanta-te, veste-te de tua força, ó Sião, veste-te das vestimentas de tua glória, ó Jerusalém” [Is 52.1]; “Todos de Sabá virão, trazendo ouro e incenso e louvor anunciando ao Senhor; todo o gado de Cedar será arrebanhado para ti” [Is 60.6, 7]. Se me detivesse a refutar este descaramento, temo que me taxariam de inconsiderado. Portanto, não vale a pena desperdiçar palavras inconsideradamente. Entretanto, pergunto: Se algum judeu usasse mal esses testemunhos da Escritura, que solução haveriam de dar? Certamente repreenderiam sua obtusidade, porque estaria transferindo à carne e ao mundo coisas que foram ditas espiritualmente acerca do reino espiritual de Cristo. Pois sabemos que os profetas não nos delinearam a glória celeste de Deus, a qual deve luzir na Igreja, sob a imagem de coisas terrenas. Ora, destas bênçãos que suas palavras expressam nunca proliferou menos a Igreja do que sob os apóstolos. E no entanto todos confessam que a pujança do reino de Cristo floresceu então ao máximo. Portanto, que significam essas afirmações? Tudo quanto, em qualquer parte, é precioso, sublime, preclaro, importa que se sujeite ao Senhor. O que, porém, se diz expressamente acerca de reis – que submeteram seus cetros a Cristo, que lançaram suas coroas aos pés dele, que consagraram suas riquezas à Igreja –, quando isto se cumpriu mais plenamente do que quando o imperador Teodósio, tirando seu manto de púrpura, depondo suas insígnias do poder, como qualquer um dentre a plebe se submeteu a solene penitência diante de Deus e da Igreja, do que quando ele próprio e outros príncipes piedosos semelhantes dedicaram seus esforços e seus cuidados a conservar-se pura na Igreja a doutrina, a suster e a proteger a integridade dos mestres? Mas, de fato, quanto os sacerdotes não excederam então em riquezas supérfluas, bastaria só aquela expressão do Sínodo de Aquiléia, a que Ambrósio declara: Gloriosa é a pobreza nos sacerdotes do Senhor. De fato os bispos tinham, então, algumas riquezas mercê das quais podiam exibir ostensivamente a honra da Igreja, se houvessem pensado serem estes os verdadeiros ornamentos da Igreja. Entretanto, como nada reconhecessem ser mais oposto ao ofício de pastores que esplender e enfatuar-se nos regalos das mesas, na pompa das vestes, no grande séquito de fâmulos, nos palácios magníficos, seguiam e cultivavam a humildade e a modéstia, mais ainda, a própria pobreza que Cristo consagrou entre seus ministros.

João Calvino