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quinta-feira, 8 de novembro de 2018

MESMO ADMITIDO O PRIMADO DE PEDRO SOBRE OS DOZE, ISSO NÃO LHE FACULTA AUTORIDADE ABSOLUTA SOBRE TODA A IGREJA

Mas ainda que a respeito de Pedro eu lhes conceda o que defendem, isto é, haver ele sido o príncipe dos apóstolos, e que foi superior em dignidade aos demais, contudo não é motivo para que, de um exemplo singular, façam uma regra universal, e o que foi feito uma vez transponham à perpetuidade, quando a situação é bem diversa. Um foi supremo entre os apóstolos, seguramente porque eram poucos em número. Se um presidiu a doze homens, em razão disso porventura se seguirá que um deva ser o guia de cem mil homens? Que doze tivessem entre si um que liderasse a todos, que surpreende nisso? Ora, a natureza admite tal coisa, o engenho dos homens exige que em qualquer assembléia, ainda que sejam todos iguais em poder, contudo um seja como que o moderador, em relação ao qual os outros voltem sua atenção. Nenhuma reunião senatorial existe sem o cônsul; nenhuma sessão de juízes, sem o pretor, ou questor; corporação nenhuma, sem seu presidente; nenhuma sociedade, sem seu chefe. Assim sendo, não haveria absurdo algum se confessássemos que os apóstolos deferiram a Pedro tal primado. Mas o que tem lugar respectivo a um número pequeno não pode tornar-se extensivo a todo o mundo, ao qual é impossível que um só homem governe. Com efeito, dizem eles, isso tem lugar não menos na totalidade da natureza, do que em suas partes, uma a uma: que haja um cabeça supremo de todas as coisas. E em confirmação trazem o exemplo do grou e das abelhas, que para si sempre escolhem um único chefe, não muitos. Certamente que admito os exemplos que trazem a lume; mas porventura as abelhas se congregam de todo o orbe para eleger um só rei? Cada rei está contente com sua colméia. Assim se dá também com os grous: cada bando tem seu próprio rei. Que outra coisa daí conseguirão senão que a cada igreja se deve atribuir seu bispo? A seguir nos conclamam a exemplos civis: citam aquele verso homérico:  – Não é bom o governo de muitos] e o que, no mesmo sentido, em enaltecimento da monarquia se diz em escritores profanos. A resposta é fácil, pois não é neste sentido, quer por Ulisses homérico, ou pelos outros, que a monarquia é louvada, como se um só deva reger em soberania a todo o orbe; antes, querem indicar que dois não podem assumir um reino, e que o poder, como diz aquele, não pode suportar parceria.

João Calvino