Resta a quarta espécie de poder eclesiástico que reside nas apelações. É evidente
que a autoridade suprema está na mão daquele a cujo tribunal se faz apelo. Muitos,
e com muita freqüência, apelaram para o pontífice romano; ele próprio também
tentou atrair a si o conhecimento das causas, mas foi constantemente escarnecido
sempre que excedeu seus limites. Nada direi acerca do oriente e da Grécia, mas é
notório que os bispos da Gália resistiram tenazmente, quando ele parecia assumir
para si autoridade sobre eles. Na África se debateu por longo tempo a respeito desta
questão, pois, como fossem excomungados no Concílio Milevitano, quando Agostinho
estivera presente, aqueles que apelassem para além-mar, o pontífice romano
tentou fazer com que esse decreto fosse corrigido. Enviou delegados que demonstrassem
que este privilégio fora dado pelo Concílio Niceno. Os delegados exibiam
atas do Concílio Niceno que haviam tomado do arquivo de sua igreja. Os bispos
africanos resistiram e negaram que se devesse dar fé ao bispo romano que legisla
em causa própria; conseqüentemente, declararam haver de enviar a Constantinopla
e a outras cidades da Grécia onde se tivessem exemplares menos suspeitos. Verificouse
que nada desse gênero estava aí escrito como os romanos pretendiam. Assim, foi
ratificado aquele decreto que anulara ao pontífice romano sumo conhecimento das
apelações. Nesta questão pôs-se à mostra a escandalosa impudência do próprio pontífice
romano, pois quando, com fraude, houvesse substituído o Sínodo Sardicense em
lugar do Niceno, foi apanhado vergonhosamente em manifesta falsidade.
Maior ainda, porém mais impudente, foi a desonestidade daqueles que adicionaram
ao Concílio uma epístola fictícia, mediante a qual não sei que bispo cartaginês,
condenando a arrogância de Aurélio, seu predecessor, por haver ousado subtrair-se
à obediência da sé apostólica, fazendo submissão de si próprio e de sua igreja,
humildemente implora perdão.
São estes os egrégios documentos de antigüidade nos quais se fundamentou a
majestade da sé romana, enquanto, sob o pretexto de antigüidade, se lançam contra a verdade de forma tão pueril, que até mesmo os cegos podem apalpar. “Aurélio”,
diz a epístola forjada, “arrebatado de diabólica audácia e contumácia, foi rebelde
em relação a Cristo e a São Pedro, conseqüentemente merecedor de ser condenado
por anátema.” Que diz Agostinho? Que dizem, na verdade, tantos pais que estiveram
presentes ao Concílio Milevitano? Que necessidade há, porém, de refutar com
muitas palavras esse escrito tão insípido, o qual, de fato, os próprios romanistas, se
algo de pejo ainda lhes resta, não podem contemplar sem profunda vergonha? Assim
Graciano, se por ardileza ou por desconhecimento, não sei, quando mencionou
esse decreto, disse: “Que sejam privados da comunhão os que apelaram para alémmar”;
adiciona a exceção: “A não ser, porventura, que hajam apelado à sé romana.”
O que fazer com essas bestas que a tal ponto carecem de senso comum, que excetuam
precisamente o que deu origem à lei, como todos sabem? Porque o Concílio, ao
proibir que se apele para além-mar, não quer dizer outra coisa senão que ninguém
apele para Roma! Este bom intérprete excetua da lei comum precisamente Roma!
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32