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quinta-feira, 1 de novembro de 2018

AO ARREPIO DOS CÂNONES ANTIGOS, FOI ALIJADA A PARTICIPAÇÃO DO POVO DA IGREJA NA ELEIÇÃO DOS BISPOS, DEIXADA AGORA AO SABOR DE VIS INTERESSES E A FAVORECER PESSOAS QUE LONGE ESTÃO DE IDÔNEAS

Já foi alijado todo aquele direito do povo em eleger o bispo. Votos, assentimentos, endossos e todas as coisas dessa natureza desapareceram: somente aos membros do cabido foi transferida toda a autoridade. Esses conferem o episcopado a quem querem; logo a seguir o conduzem à presença do povo, mas para ser adorado, não para ser examinado. Com efeito, Leão protesta que nenhuma razão permite isso e declara ser imposição violenta. Cipriano, quando testifica fluir do direito divino que não se faça eleição a não ser com o assentimento do povo, mostra a Palavra de Deus em conflito com um costume diverso. Decretos de tantos sínodos proíbem severissimamente que se faça de outra maneira; e se fizer, prescrevem que seja nulo. Se estas coisas são verdadeiras, hoje nenhuma eleição canônica subsiste em todo o papismo, nem por direito divino, nem por direito eclesiástico. Mas, ainda que nenhum outro mal houvesse, no entanto, como poderão desculpar que tenham despojado a Igreja de seu direito? Dizem que a corrupção dos tempos, uma vez que entre o povo e os magistrados, em se proverem de bispos, mais valiam os ódios e os favoritismos do que o reto e são juízo, assim exigia que o arbítrio desta matéria fosse deferido a uns poucos. Incontestavelmente, este foi remédio extremo do mal em circunstâncias deploráveis. Quando, porém, o medicamento se mostrou mais danoso que a própria doença, por que não se acudiu também a este novo mal? Mas, insistem eles, aos próprios canônicos foi prescrito exatamente o que se deve seguir na eleição. Duvidamos que o povo de outrora não entendesse que estava sujeito por leis tão santas, quando veio a norma que lhe era imposta pela Palavra de Deus para eleger os bispos. Porque, na verdade, aquele mero pronunciamento de Deus, que descreve que a verdadeira imagem do bispo devia, com razão, ser de mais valia que infinitas miríades de cânones. Entretanto, corrompido por mui ignóbil paixão, o povo não tinha nenhuma consideração pela lei ou pela eqüidade. Assim hoje, embora hajam ótimas leis escritas, no entanto elas permanecem sepultadas nas folhas de papel. Entrementes, em mui ampla escala foi recebido nos costumes e, como ocorre com razão, até aprovado que beberrões, devassos, jogadores inveterados sejam mui freqüentemente promovidos a esta honra; digo pouco, pois bispados eram prêmios de adultérios e alcovitagens. Ora, pois, quando se dão a caçadores e passarinheiros, é de se pensar que a coisa saiu às mil maravilhas. É inútil defender tais coisas com os cânones. Afirmo que o povo de outrora possuía ótimo cânon, a quem a Palavra de Deus prescrevia convir que o bispo seja irrepreensível, um mestre, não briguento etc. [1Tm 3.1-7; Tt 1.7-9]. Logo, por que foi do povo transferida para estes a função de eleger? Obviamente, replicarão, porque entre tumultos e facciosidades do povo não era ouvida a Palavra de Deus. Por que então não se tira atualmente os cânones, os quais não só violam todas as leis, mas que com todo descaso confundem o céu com a terra mediante sua ambição, sua avareza e seus apetites desmesurados?

João Calvino