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terça-feira, 27 de novembro de 2018

AO TEMPO DE GREGÓRIO, O GRANDE (540?–604), DADA A CAÓTICA SITUAÇÃO POLÍTICA DO IMPÉRIO DECADENTE, A SÉ ROMANA PASSOU A EXERCER AUTORIDADE PRIMACIAL, CONTUDO COMO MODERADORA, NÃO JURISDICIONAL

No tempo de Gregório, aquele antigo sistema já havia mudado bastate. Pois, convulsionado e dilacerado o Império, por muitos flagelos reiteradamente sofridos, sendo as Gálias e as Espanhas afligidas, devastado fosse o llírico, abalada estivesse a Itália, de fato a África quase destruída por constantes calamidades, para que em meio de tão grande convulsão das coisas políticas a unidade da fé permanecesse, ou seguramente não perecesse de vez, todos os bispos, de toda parte, mais se uniram ao pontífice romano. Com isto aconteceu não só que a dignidade, mas também o poder da sé romana crescesse impetuosamente. Se bem que não faço tanto empenho em saber por que razões isto aconteceu. É manifesto que ela então certamente se fez maior que em séculos precedentes. E no entanto não chegou a ter tal superioridade que dominasse sobre os outros a seu bel-prazer.85 Mas a sé romana sustinha esta reverência: que os réprobos e contumazes que não podiam ser mantidos dentro de seu dever, por seus colegas, os contivesse e reprimisse por sua autoridade, porque Gregório atesta isto diligentemente e com freqüência, que não menos queria conservar diligentemente aos outros seus direitos, que da parte deles requeira ele os seus próprios. “Não quero”, diz ele, “por ambição privar a ninguém de seus direitos; antes desejo em tudo e absolutamente honrar a meus irmãos.” Nenhuma palavra há, em seus escritos, pela qual alardeie mais altivamente a grandeza de seu primado do que esta: “Não conheço a nenhum bispo que não esteja sujeito à sé apostólica quando é réu de culpa.” No entanto, acrescenta Imediatamente: “Quando não há culpa, todos, conforme o direito de humildade, são iguais.”86 Atribui a si o direito de corrigir aqueles que hajam pecado; se todos cumprem o dever, faz-se igual aos outros. E ele próprio, de fato, atribui isto a si por direito, mas os que queriam, concordavam; aos outros, porém, a quem isso não agradava, era lícito reclamar impunemente, o que é sabido haver feito, inclusive a maioria. Adiciona que ele aí está falando a respeito do primaz bizantino, que, como fosse condenado por um sínodo provincial, repudiaria todo o julgamento. Seus colegas denunciaram ao Imperador esta contumácia do homem. Quisera o Imperador fosse Gregório o árbitro da questão. Vemos, pois, que ele não está tentando algo com que viole a jurisdição ordinária, e isso mesmo que está fazendo, para que seja útil a outros, o faz somente por determinação do Imperador.

João Calvino