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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A CERTEZA E CONVICÇÃO DA FÉ NÃO É PRESUNÇÃO FORTUITA, MAS TESTEMUNHO E UNÇÃO DO ESPÍRITO

Além disso, alegam ser de presunção temerária arrogar para si conhecimento indubitável da vontade divina. Certamente que isto eu lhes concederia de bom grado, se assumíssemos tanto que na pequenez de nosso entendimento houvéssemos de pretender encerrar o desígnio incompreensível de Deus. Quando, porém, simplesmente dizemos com Paulo que “não recebemos o espírito deste mundo, mas o Espírito que procede de Deus”, em virtude de cujo ensino passamos a conhecer as coisas que nos foram dadas por Deus” [1Co 2.12], que podem eles objetar em contrário sem injuriar obstinadamente o Espírito de Deus? Porque, se é um horrendo sacrilégio acusar de falsidade, ou de incerteza, ou de ambigüidade a revelação, cujo autor é Deus, que pecado cometemos nós? Com efeito, também alegam que não há falta de grande temeridade atrevermos gloriar-nos de tal modo do Espírito de Cristo. Quem poderia crer ser tão grande o embotamento dos que querem ser os mestres do orbe, e que tropeçam tão vergonhosamente nos próprios elementos rudimentares da religião? Certamente que isso me resultaria incrível, não fosse o que atestam os escritos que a eles subsistem. Paulo pronuncia que os filhos de Deus são exclusivamente os que se deixam guiar por seu Espírito [Rm 8.14]; estes, porém, querem que os filhos de Deus sejam os que se deixam guiar por seu próprio espírito, no entanto são vazios do Espírito divino. Aquele ensina que Deus é por nós chamado Pai, designativo que é ditado pelo Espírito, que é o único que pode dar testemunho a nosso espírito de que somos filhos de Deus [Rm 8.16]; estes, ainda que não se retraiam da invocação de Deus, contudo eliminam o Espírito, cuja direção deveriam apropriadamente invocar. Aquele nega que sejam servos de Cristo quantos não se deixam guiar pelo Espírito de Cristo [Rm 8.9]; estes inventam um cristianismo que não necessita do Espírito de Cristo. Aquele não admite nenhuma esperança de bem-aventurada ressurreição, a não ser que sintamos que o Espírito habita em nós [Rm 8.11]; estes inventam uma esperança vazia de tal senso. Não obstante, talvez haverão de responder que não negam a necessidade de sermos revestidos do Espírito, contudo, que é próprio da modéstia e da humildade não o proclamarmos. Portanto, que quer Paulo dizer, quando ordena aos coríntios que se examinem se porventura estão na fé; que se provem se porventura têm a Cristo; e que é réprobo todo aquele que não o reconheça como nele habitando [2Co 13.5]? “Mas”, diz João, “sabemos que ele permanece em nós pelo Espírito que nos deu” [1Jo 3.24; cf. 4.13]. E que outra coisa fazemos senão pormos em dúvida as promessas de Cristo, enquanto queremos ser tidos por servos de Deus sem seu Espírito, que proclamou haver de derramar sobre todos os seus [Is 44.3; Jl 2.28]? Que dizer, senão que fazemos agravo ao Espírito Santo, quando separamos dele a fé, a qual é obra exclusiva dele?
Uma vez que estes são os rudimentos primários da piedade, de misérrima cegueira é que os cristãos se deixem taxar de arrogância quando ousam gloriar-se da presença do Espírito Santo, de gloriar-se do fato de que à parte dele o próprio Cristianismo não subsiste. Mas, de fato, com seu exemplo, declaram quão verazmente Cristo falou que seu Espírito é desconhecido do mundo e que é conhecido somente daqueles em quem ele habita [Jo 14.17].

João Calvino