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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

IMPROCEDÊNCIA DA INTERPRETAÇÃO DE QUE CRISTO DESCEU AO HADES PARA LIBERTAR OS JUSTOS ALI APRISIONADOS


Outros o interpretam diferentemente, dizendo que Cristo desceu às almas dos patriarcas que haviam morrido sob a lei, para que lhes levasse a proclamação da redenção consumada, e as livrasse do cárcere onde se mantinham encerradas. E para isto invocam, indevidamente, os testemunhos do Salmo: “porque Deus haverá de quebrar as portas de bronze e as trancas de ferro” [Sl 107.16]. De igual forma, de Zacarias: “que Deus redimirá os cativos do poço em que não havia água” [Zc 9.11]. Como, porém, o Salmo vaticina os livramentos daqueles que, cativos em regiões longínquas, estão confinados em cadeias, Zacarias, porém, compara a calamidade babilônica a um poço ou abismo profundo e seco em que o povo fora lançado, e ao mesmo tempo ensina que a salvação de toda a Igreja é a saída das profundezas inferiores. Não sei como haja acontecido que a posteridade imaginasse existir um lugar subterrâneo a que deram o nome de limbo. Mas, a despeito de esta fábula contar com grandes autores, e é hoje também seriamente defendida por muitos como sendo a verdade, entretanto não passa de fábula. Ora, a idéia de encerrar as almas dos mortos em um cárcere é pueril. Que necessidade, pois, houve de a alma de Cristo descer ali para que ele as libertasse? De bom grado, aliás, admito que Cristo as haja iluminado pelo poder de seu Espírito, de sorte que reconhecessem que a graça foi então exibida ao mundo, a qual haviam degustado apenas em esperança. E, com razão provável, aqui se pode aplicar a passagem de Pedro, na qual ele diz que Cristo foi e pregou aos espíritos que estavam em uma “torre de observação”, que traduzem comumente por prisão [1Pe 3.19]. Ora, até mesmo o contexto nos conduz a isto: que os fiéis que morreram antes desse tempo foram co-participantes conosco da mesma graça, pois que Pedro daí amplia o poder da morte de Cristo, que tenha ela penetrado até os mortos, enquanto as almas piedosas têm desfrutado da visão atual dessa visitação, que haviam ansiosamente esperado. Por outro lado, fez-se mais patente aos réprobos que eles estão excluídos de toda salvação. Entretanto, o fato de Pedro não falar tão distintivamente, não se deve assim tomar como se, sem qualquer discriminação, esteja ele misturando os piedosos com os ímpios. Ao contrário, ele quer apenas ensinar que foi comum a uns e outros o significado da morte de Cristo.

João Calvino