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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

PODE-SE DIZER QUE FÉ IMPLÍCITA É A PREDISPOSIÇÃO DE CRER, O QUE SE PODE CHAMAR DE FÉ POTENCIAL OU PREPARATÓRIA

Pode-se também chamar de fé implícita a que, entretanto, não é propriamente outra coisa senão a preparação para a fé. Os evangelistas mencionam que muitíssimos haviam crido, os quais, arrebatados apenas pela admiração ante os milagres, não haviam progredido além do fato de que Cristo era o Messias que fora prometido, posto que não tinham de fato sido imbuídos sequer de um tênue ensino do evangelho. Tal consideração, que os dispôs a de boa vontade sujeitar-se a Cristo, é enaltecida com o título de fé, da qual, no entanto, ela não foi senão o começo. Assim, aquele dignitário da corte que creu na promessa de Cristo quanto à cura do filho [Jo 4.50], retornando ao lar, segundo testemunha o evangelista, creu de novo, certamente porque, de início, teve por mero vaticínio o que ouvira da boca de Cristo; depois submeteu-se à sua autoridade para receber dele o ensino. Contudo, é preciso reconhecer-se que a tal ponto foi ele dócil e preparado para aprender, que inclusive o verbo crer denota, na primeira passagem, uma fé particular; na segunda passagem ele se estende mais, até pôr este homem no número dos discípulos que se haviam arrolado com Cristo. João nos propõe um exemplo bem semelhante a este nos samaritanos que creram na palavra da mulher, de tal sorte que correram fervorosamente para Cristo, os quais, entretanto, após ouvi-lo, assim falaram: “Já não cremos por tua palavra; pelo contrário, o ouvimos e sabemos que ele é o Salvador do mundo” [Jo 4.42]. Destes exemplos, se evidencia que mesmo aqueles que ainda não foram imbuídos dos primeiros elementos, contudo, quando se inclinam a obedecer, são chamados de fiéis, não propriamente destituídos de qualquer dúvida, mas até onde Deus, em razão de sua benevolência, digna de tão grande honra esse sentimento piedoso. Mas esta disposição de deixar-se ensinar, juntamente com o desejo de progredir no conhecimento de Cristo e do evangelho, longe está da crassa ignorância em que estão entorpecidos aqueles que se contentamcom uma fé implícita como imaginada pelos papistas. Ora, se Paulo condena severamente aqueles que, “aprendendo sempre, nunca chegam ao conhecimento da verdade” [2Tm 3.7], de quão mais grave ignorância são merecedores aqueles que, deliberadamente, afetam nada saber!

João Calvino