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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A FÉ É OBRA DE DEUS, DOM E MANIFESTAÇÃO DE SEU PODER

Em outro lugar, quando tivemos de tratar da corrupção da natureza, mostramos mais plenamente que os homens não são idôneos a crer. E assim não fatigarei os leitores, repetindo as mesmas coisas. É suficiente que, por meio de Paulo, a própria fé com a qual somos dotados pelo Espírito seja chamada “espírito de fé” [2Co 4.13], a qual, porém, não temos por natureza. Por isso, ele ora para que nos tessalonicenses “cumpra Deus em poder todo seu beneplácito e a obra da fé” [2Ts 1.11], onde à fé chama obra de Deus; e em vez de caracterizá-la com um adjetivo, dizendo ser ela beneplácito, nega ser a fé produto do próprio sentimento do homem; não contente com isso, acrescenta que ela é expressão do poder divino. Na Epístola aos Coríntios, onde diz que a fé não depende da sabedoria dos homens, pelo contrário é fundamentada no poder do Espírito [1Co 2.4, 5], na verdade ele está falando de milagres externos; mas, porque os réprobos se fazem cegos em sua contemplação deles, compreende também ser ela aquele selo interior, de que faz menção em outro lugar [Ef 1.13; 4.30]. E, para que em tão preclaro dom Deus ilumine ainda mais sua liberalidade, não concede dele a todos indiscriminadamente, mas por privilégio regular o concede àqueles a quem o queira. Já citamos previamente comprovações deste ponto, dos quais, fiel intérprete, exclama Agostinho:5 “Para ensinarque até o próprio crer é um dom, não um mérito, diz o Salvador: ‘Ninguém vem a mim, a não ser que meu Pai o tenha trazido’ [Jo 6.44], e ‘aquele a quem foi dado por meu Pai’ [Jo 6.65]. É estranho que dois ouvem a Palavra: um a despreza, outro a abraça. O que a menospreza, que o impute a si mesmo; o que a abraça, que não se vanglorie nisso.”6 Em outro lugar: “Por que é dado a um, não a outro? Não me acanho em dizer: Este é o profundo mistério da cruz! Da profundeza dos juízos de Deus, que não podemos perscrutar, procede tudo quanto podemos. O que posso, vejo; donde posso, não vejo, exceto que, até onde vejo, isso provém de Deus. Mas, por que esse e não aquele? É muito para mim. É um abismo: a profundeza da cruz! Posso exclamar em admiração, não posso demonstrálo com argumento.” A síntese desta matéria se reduz a isto: Quando, pelo poder de seu Espírito, Cristo nos ilumina a fé, ao mesmo tempo nos enxerta em seu corpo, para que nos façamos participantes de todas as suas benesses.

João Calvino