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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O ARREPENDIMENTO SUSCITADO POR SINCERO E REAL TEMOR DE DEUS, ANTEVISTO O JUSTO, PORÉM INCOERCÍVEL, JUÍZO EM QUE LHE INCORRE O PECADOR

O segundo ponto era que ensinamos que o arrependimento procede do real temor de Deus. Pois, antes que a mente do pecador se incline ao arrependimento, importa seja ela despertada pelo senso do juízo divino. Quando, porém, este senso se tenha fixada profundamente, de que Deus um dia haverá de subir ao seu tribunal a fim de exigir a razão de todas as palavras e feitos, não permitirá que o mísero ser humano descanse, nem que respire um instante, sem que o aguilhoe constantemente a meditar em outro modo de vida em que possa postar-se em segurança diante desse Juízo. Daí, enquanto exorta ao arrependimento, a Escritura faz freqüente menção do juízo, como em Jeremias [4.4]: “Para que não saia, porventura, minha ira como fogo, e não haja quem a extinga, em razão da maldade de vossas obras.” E no sermão de Paulo aos atenienses [At 17.30, 31]: “E, com efeito, embora Deus tenha deixado passar até agora os tempos dessa ignorância, anuncia agora aos homens que por toda parte todos se arrependam, visto que ele fixou um dia em que haverá de julgar o mundo todo com eqüidade”; e em muitos outros lugares. Por vezes a Escritura declara que Deus é Juiz mediante castigos já infligidos, para que os pecadores ponderem consigo mesmos que, a menos que se arrependam em tempo, coisas piores os ameaçam. Os capítulos 20 e 29 de Deuteronômio são ricos em exemplos. Não obstante, uma vez que a conversão começa do horror e ódio ao pecado, por isso o Apóstolo faz a “tristeza que é segundo Deus” [2Co 7.10] a causa do arrependimento. Mas, ele chama tristeza segundo Deus quando temos não só horror ao castigo, mas também odiamos e execramos ao próprio pecado, ao compreendermos que ele desagrada a Deus. Nem é de admirar, porque, a não ser que sejamos severamente espicaçados, não nos seria possível corrigir a indolência da carne. De fato, ao seu embotamento e apatia não bastariam simples estugadas, a não ser que Deus penetre mais fundo, ostentando suas varas. Além disso, adiciona-se a contumácia que, para ser quebrada, se faz necessário que se use como que marretas. Portanto, a severidade de que Deus faz uso ao ameaçar-nos é provocada nele pela depravação de nossa natureza, porquanto ele em vão seduziria com brandura aos que estão a dormir. Deixo de mencionar as provas disto, as quais ocorrem reiteradamente na Escritura. Ainda por outra razão o temor de Deus é o princípio do arrependimento, a saber, que embora a vida do homem seja repleta de todas as classes de virtudes, a não ser que ela se volva para o culto de Deus, poderá, sem dúvida, ser louvada pelo mundo, mas será pura abominação no céu, uma vez que a parte capital da justiça é render a Deus seu direito e honra, dos quais ele é impiamente fraudado quando não temos o propósito de nos sujeitar a seu governo.

João Calvino