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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A CORRETA ACEPÇÃO DE FÉ IMPLÍCITA: IMPERFEITA, INCOMPLETA, INCIPIENTE OU GERMINAL

Realmente admitimos que, enquanto peregrinamos no mundo, a fé é implícita, não só porque muitas coisas ainda nos estão ocultas, mas também porque, circundados de muitas nuvens de erros, não compreendemos tudo. Ora, a cada um, por muito perfeito que seja, deve pertencer a suprema sabedoria de prosseguir avante e, em serena disposição de aprender, esforçar-se por ir cada vez mais longe. E assim Paulo exorta os fiéis a que, se em alguma coisa venham a dissentir de outros, aguardem uma revelação [Fp 3.15]. E a experiência ensina expressamente que, até que sejamos desembaraçados da carne, não conseguimos entender o quanto desejaríamos; e ao lermos diariamente as Escrituras, deparamo-nos com muitas passagens obscuras que nos convencem de ignorância. E, mediante este freio, Deus nos retém em comedimento, assinalando a cada um “a medida da fé” [Rm 12.3], de sorte que até o mestre mais douto esteja preparado para aprender. É possível notarem-se numerosos exemplos desta fé implícita nos discípulos de Cristo antes que eles recebessem plena iluminação. Vemos com quão grande dificuldade provamos próprios rudimentos, quando eles têm dúvida até mesmo em coisas mínimas, como pendentes da boca do Mestre, contudo não avançam muito. Com efeito, ainda quando, pelo aviso das mulheres, correm em direção ao sepulcro de Cristo, a ressurreição do Mestre lhes parece como que um sonho [Lc 24.11]. Uma vez que Cristo lhes havia anteriormente dado testemunho da fé, não é justo dizer que foram inteiramente destituídos dela. Ao contrário, a não ser que tivessem sido persuadidos de que Cristo haveria de ressuscitar, todo zelo teria neles sucumbido. Na realidade, tampouco foi superstição que levou as mulheres a ungirem, de seus perfumes, o cadáver de um homem morto, de cuja vida nenhuma esperança havia de ressurreição. Mas, embora tivessem fé nas palavras deste a quem sabiam ser verdadeiro, entretanto, a rudeza que até esse ponto lhes ocupava as mentes envolveu-lhes a fé em escuridão, de tal sorte que estiveram quase aturdidos. Do quê também se diz então terem eles finalmente crido quando, pelo próprio fato da ressurreição, foi por eles verificada a veracidade das palavras de Cristo, não porque tivessem começado a crer, mas porque a semente da fé que lhes estivera oculta como que morta no coração, agora emergiu com renovado vigor. Portanto, uma vez que haviam reverentemente abraçado a Cristo como seu Mestre único, a fé foi verdadeira neles, porém implícita. Então, por ele ensinados, persuadiram-se de que ele era o Autor da salvação deles. Finalmente, creram ter ele vindo do céu, para que pela graça do Pai ali houvesse de congregar os discípulos. Na verdade, tampouco se há de buscar prova mais concreta do que isto: que em todos a fé está sempre mesclada com incredulidade.

João Calvino