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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

A NOÇÃO QUE OSIANDRO TINHA DA IMAGEM DE DEUS E SUA IMPROCEDÊNCIA


Mas, o princípio de que Osiandro se vangloria é totalmente frívolo. Quer ele que o homem tenha sido criado à imagem de Deus, porque foi formado segundo o modelo de Cristo que haveria de vir, para que o conformasse Àquele a quem o Pai já havia decretado vestir da carne. Donde Osiandro conclui que, se Adão jamais houvesse decaído de sua primeira e íntegra origem, Cristo, no entanto, haveria de tornar-se homem. Toda pessoa de são juízo verá quão fútil e retorcido é tudo isso. Não obstante, esse homem pensa que foi ele o primeiro a compreender de que modo o homem foi imagem de Deus; a saber, enquanto que a glória de Deus reluzia em Adão, não só pelos excelentes dons com que fora adornado, mas porque Deus habitava nele essencialmente. Eu, com efeito, embora conceda que Adão portara a imagem de Deus na extensão em que estava unido a Deus, que é a verdadeira e suprema perfeição da dignidade, entretanto sustento que não se deve buscar a semelhança de Deus em outro elemento senão nessas marcas de excelência com que Deus distinguira a Adão acima dos demais seres animados. E, de fato, que Cristo já então foi a imagem de Deus, à uma confessam-no todos. E, por isso, tudo quanto de excelência foi impresso no próprio Adão emanou daí: que chegasse à glória de seu Criador através do Filho Unigênito. Portanto, “o homem foi criado à imagem de Deus” [Gn 1.27], em quem o próprio Criador quis que se contemplasse nele a glória como que num espelho. Adão fora alçado a este grau de honra por mercê do Filho Unigênito. Acrescento, porém, que o próprio Filho foi o Cabeça comum tanto dos anjos quanto dos homens, de sorte que a dignidade que fora conferida ao homem pertencesse também aos anjos. Pois, quando ouvimos que os anjos são chamados “filhos de Deus” [Sl 82.6], nem seria congruente negar que lhes fosse conferido algo mediante o qual fossem semelhantes ao Pai. Pois, se Deus quis que tanto nos anjos quanto nos homens se lhe representasse a glória e fosse conspícua em ambas essas naturezas, Osiandro está a vociferar insipientemente, dizendo que os anjos foram então postos em condição inferior aos homens, visto que não podiam portar a figura de Cristo. Ora, nem fruiriam constantemente da contemplação direta de Deus, a não ser que lhe fossem semelhantes; nem ensina Paulo de outra maneira serem “os homens renovados à imagem de Deus” [Cl 3.10], a não ser que os anjos se associem para que, juntos, entre si se unam sob uma única Cabeça. Enfim, se temos de dar crédito a Cristo, conseguiremos a felicidade suprema quando formos recebidos nos céus e “formos semelhantes aos anjos”230 [Mt 22.30]. Pois se a Osiandro é permitido inferir que o paradigma primário da imagem de Deus esteve em Cristo homem, pela mesma razão pode alguém argumentar dizendo que Cristo teve de assumir a natureza angélica, uma vez que a eles também pertence a imagem de Deus.

João Calvino