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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

CRISTO, HOMEM REAL, CONTUDO SEM PECADO, UNIDAS A DIVINDADE E A HUMANIDADE


Os absurdos com que nos querem gravar estão repletos de calúnias pueris. Consideram ser vergonhoso e desonroso o fato de Cristo haver procedido de homens, porque não teria podido eximir-se da lei comum, a qual, sem exceção, inclui a toda a descendência de Adão sob o pecado [Gl 3.22]. Com efeito, esta dificuldade facilmente é resolvida pela antítese que se lê em Paulo: “Assim como por um só homem entrou o pecado, e pelo pecado de um só, a morte, assim pela justiça de um homem abundou a graça” [Rm 5.12, 15, 18]. A que corresponde também outra: “O primeiro Adão era da terra, um homem terreno e animal; o segundo Adão era do céu, um homem celestial” [1Co 15.47]. E assim, em outro lugar [Rm 8.34], ensinando que Cristo foi enviado em semelhança da carne de pecado para que satisfizesse à lei, o mesmo Apóstolo o distingue expressamente da condição geral da humanidade, para que seja verdadeiro homem, sem imperfeição e corrupção. Mas, vociferam puerilmente que, se Cristo é isento de toda mancha, e pela secreta operação do Espírito foi gerado da semente de Maria, logo a semente da mulher não é impura, mas somente a do homem. Ora, tampouco fazemos a Cristo isento de toda mancha só porque fora gerado da mãe sem o concurso do homem, mas porque foi santificado pelo Espírito, para que a geração fosse pura e íntegra, como deveria ter sido antes da queda de Adão. E que isto permaneça absolutamente estabelecido: sempre que a Escritura nos chama a atenção acerca da pureza de Cristo, menciona-se sua verdadeira natureza de homem, porquanto seria supérfluo dizer que Deus é puro. Também a santificação de que João fala no capítulo 17 do Evangelho não teria lugar em sua natureza divina. Além disso, posto que nenhum contágio tenha atingido a Cristo, imagina-se que a semente de Adão seja dupla, porque em si mesma a geração do homem não é imunda nem depravada, mas o é acidentalmente, por efeito da queda. À vista disso, não surpreende se Cristo, por quem deveria ser restaurada a integridade, tenha sido isento da corrupção geral. Também, o que nos lançam em rosto como sendo absurdo, a saber, se a Palavra de Deus vestiu a carne, logo foi ela confinada ao cárcere estrito de um corpo terreno, é puro descaramento, pois embora a essência infinita do Verbo se unisse com a natureza de um homem em uma pessoa única, no entanto não imaginamos haver qualquer confinamento. Ora, de modo maravihoso, do céu desceu o Filho de Deus, e no entanto ele não deixou o céu; de modo maravilhoso, quis sofrer a gestação no útero da Virgem, andar pela terra e pender na cruz, para que sempre enchesse o mundo, assim como desde o início.

João Calvino