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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

IMPROCEDÊNCIA DA TESE DE QUE A FÉ NÃO DEVE SER DEFINIDA TÃO-SOMENTE DA PROMESSA DA GRAÇA, MAS TAMBÉM DAS AMEAÇAS DE CASTIGO

Na verdade, nem mesmo dou atenção aos ladridos de Pighi, nem de cães da mesma laia, quando investem contra esta restrição da fé à promessa da graça, como se, fragmentando a fé, apanhe só uma porção dela. De fato, admito, como já disse, que o objeto geral da fé, como dizem eles, é a verdade de Deus, quer esteja a ameaçar, quer esteja a inculcar a esperança da graça. Daí o Apóstolo atribuir isto à fé, a saber, que Noé temeu a destruição do mundo quando esta ainda não se divisava [Hb 11.7]. Se o temor do castigo iminente foi obra da fé, as ameaças não devem ser excluídas da definição. Certamente, isto é verdadeiro. Mas os caluniadores, sem razão, nos desacreditam, como se negássemos que a fé tem a ver com todos os elementos da Palavra de Deus. Ora, queremos destacar apenas estes dois pontos: primeiro, que ela nunca se firma até que haja chegado à promessa da graça; em segundo lugar, que não somos de outro modo por ela reconciliados a Deus, senão porque nos une a Cristo. Ambos esses pontos são dignos de nota. Buscamos uma fé que distinga dos réprobos os filhos de Deus; e dos incrédulos, os fiéis. Se alguém crê que Deus não só prescreve com justiça o que quer preceituar, mas deveras também ameaça, só por isso se chamará crente? Nada menos que isso. Portanto, a posição da fé não será firme, a não ser que se sustenha na misericórdia de Deus. Ora, a que propósito discorremos acerca da fé? Porventura não é para que possuamos o caminho da salvação? Como, porém, é fé salvífica, senão até onde nos insere no corpo de Cristo? Logo, nada há de absurdo, se em sua definição de tal modo lhe acentuamos o efeito principal e, à guisa de diferenciação, lhe anexemos ao gênero essa distinção que separa os fiéis dos incrédulos. Enfim, nesta doutrina os malévolos nada têm que lançar em rosto, sem que envolvam Paulo conosco na mesma censura, o qual, apropriadamente, chama ao evangelho “a palavra da fé” [Rm 10.8].

João Calvino