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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

CRISTO SE REVESTIU DA VERDADEIRA SUBSTÂNCIA DA CARNE HUMANA

REALIDADE DA NATUREZA HUMANA DE CRISTO

Quanto à divindade de Cristo, a qual em outro lugar foi provada mediante claros e firmes testemunhos, seria supérfluo discuti-la de novo agora, salvo engano meu. Resta, portanto, ver como ele desempenhou as funções de Mediador, revestido de nossa carne. É bem verdade que a genuinidade da natureza humana de Cristo foi outrora impugnada tanto pelos maniqueus quanto pelos marcionitas, dos quais estes, realmente, fantasiavam para si um espectro em lugar do corpo de Cristo; aqueles, porém, o sonhavam provido de um corpo celestial. A ambos, porém, resistem testemunhos da Escritura, não apenas muitos, como também poderosos. Ora, a bênção não é prometida ou numa semente celestial, ou num espectro de homem, mas na semente de Abraão e Jacó. Tampouco é o trono eterno prometido a um homem etéreo, mas ao filho de Davi e ao fruto de seu ventre. Donde também, quando manifesto na carne, se chama “o filho de Davi e de Abraão” [Mt 1.1], não apenas por haver nascido do ventre da Virgem, e contudo criado no ar, mas porque, como o interpreta Paulo, “foi feito da semente de Davi segundo a carne” [Rm 1.3]; assim como, em outro lugar [Rm 9.5], o mesmo Apóstolo ensina haver ele descendido dos judeus. Razão por que o próprio Senhor, não contente com o termo homem, constantemente se chama também o Filho do Homem, querendo exprimir mais claramente ser um homem realmente gerado da semente humana. Posto que o Espírito Santo, tantas vezes e por tantos meios, e com tanto cuidado e simplicidade, expôs uma coisa que em si mesma é um tanto obscura, quem poderia imaginar que existisse homens tão despudorados que se atreveriam a afirmar o contrário?232 E, no entanto, outros testemunhos ainda se nos oferecem à mão, se mais nos apraza amontoar, como este de Paulo, a saber: haver Deus enviado seu Filho nascido de mulher [Gl 4.4], e em muitos lugares, nos quais se mostra ter sido ele sujeito à fome, à sede, ao frio e a outras necessidades de nossa natureza. Mas, dentre muitos, devem escolher-se de preferência aqueles que possam conduzir à edificação das almas na verdadeira confiança, como quando se diz que de modo algum, ainda que aos anjos se tenha conferido tanta honra, ele assumisse sua natureza; pelo contrário, ele assumiu a nossa natureza para que, na carne e no sangue, mediante a morte, destruísse aquele que possuía o poder de morte [Hb 2.14-16]. Igualmente, em virtude do benefício desta associação com ele, somos contados por seus irmãos [Hb 2.11]. De igual modo, “Convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote” [Hb 2.17]; “não temos um sumo sacerdote que não se compadeça de nossas fraquezas” [Hb 4.15]; e outros afins. Ao mesmo procede o que abordamos pouco antes: concorda com isso que os pecados do mundo fossem expiados em nossa carne, o que é claramente afirmado por Paulo [Rm 8.3]. E, certamente, por isso nos pertence tudo quanto o Pai conferiu a Cristo, que ele é a Cabeça, da qual todo o corpo, unido através das junturas, recebe ao mesmo tempo o crescimento [Ef 4.15, 16]. Além disso, não procederá de outra forma o que se diz: “ele não deu o Espírito por medida” [Jo 3.34], para que “de sua plenitude todos recebamos” [Jo 1.16], uma vez que nada há mais absurdo do que ser Deus enriquecido em sua essência por um dom adventício. Também por esta razão diz o próprio Cristo, em outro lugar: “Por amor deles eu me santifico a mim mesmo” [Jo 17.19].

João Calvino