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segunda-feira, 20 de agosto de 2018

A FÉ SE FUNDAMENTA NA DIVINA PROMESSA DA GRAÇA

Constituímos por fundamento da fé a promessa graciosa, porque nela se apoia, com propriedade, a fé. Ora, ainda que a fé em tudo declare serDeus verdadeiro, quer ordene, quer proíba, quer prometa, quer ameace, e até obedientemente receba suas injunções, observe as determinações, atente para as ameaças, contudo começa propriamente da promessa: nela subsiste, nela termina. Pois a fé busca em Deus a vida, vida esta que não se acha em mandamentos, nem em formulários de penas, mas na promessa de misericórdia; e esta graciosa, porquanto uma promessa condicional, pela qual somos remetidos a nossas obras, não promete mais vida do que a que podemos encontrar em nós mesmos. Portanto, se não queremos que a fé trema e vacile, importa que a apoiemos na promessa de salvação que do Senhor se oferece livre e liberalmente; e mais em consideração de nossa miséria do que de nossa dignidade. Pelo que o Apóstolo aplica ao evangelho este testemunho: que ele é a palavra da fé [Rm 10.8], título do qual priva tanto aos preceitos quanto às promessas da lei, já que nada há que possa fundamentar a fé, senão aquela generosa embaixada mercê da qual Deus reconcilia consigo o mundo [2Co 5.18-20]. Daqui, também a freqüente correlação, no mesmo Apóstolo, de fé e evangelho, quando ensina que lhe fora confiado o ministério do evangelho “para a obediência da fé” [Rm 1.5], porque “ele é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê” [Rm 1.16], que “nele se revela a justiça de Deus de fé a fé” [Rm 1.17]. Nem é de admirar. Já que de fato e na verdade o evangelho é o “ministério da reconciliação” [2Co 5.18], nenhum outro testemunho suficientemente firme da divina benevolência se mostra para conosco, cujo conhecimento a fé busca para si. Portanto, quando dizemos que a fé há de arrimar-se à promessa de graça, não estamos negando que os fiéis abracem e sustenham em toda linha a Palavra de Deus, mas apontamos para a promessa de misericórdia como o alvo próprio da fé. Da mesma forma que devem os fiéis, de fato, reconhecer a Deus como Juiz e Vingador das impiedades, contudo, lhe contemplam também apropriadamente a clemência, posto que lhes é apresentado como misericordioso, tardo em irar-se e inclinado à benevolência para com todos, a derramar sua misericórdia sobre todas as suas obras [Sl 145.8, 9].

João Calvino