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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

ARREPENDIMENTO SEGUNDO A LEI, E ARREPENDIMENTO SEGUNDO O EVANGELHO

Outros, vendo que este vocábulo é empregado na Escritura com variada acepção, determinaram duas formas de arrependimento, às quais, para que as distinguissem com algum traço, a uma chamaram arrependimento legal, pelo qual o pecador, ferido pelo cautério do pecado e triturado pelo terror da ira de Deus, sente-se como que enredado nesta inquietação, nem dela consegue desvencilhar; à outra chamaram arrependimento evangélico, pelo qual o pecador, na verdade, gravemente aflito em si, entretanto se ergue mais alto e recebe a Cristo como o remédio de sua ferida, o consolo de seu terror, o porto de refúgio de sua miséria. Do arrependimento legal invocam por exemplos Caim, Saul, Judas, cujo arrependimento, embora no-lo relate a Escritura, dá ela a saber que, reconhecida a gravidade de seu pecado, se deixaram dominar-se de pavor da ira de Deus, mas, a Deus cogitando apenas como Vingador e Juiz, neste sentimento realmente falharam. Portanto, o arrependimento destes outra coisa não foi senão como que uma antecâmara do inferno, na qual, havendo já entrado nesta vida, começaram a sofrer os castigos perante a ira da majestade de Deus. Vemos o arrependimento evangélico em todos os que, em si espicaçados pelo aguilhão do pecado, porém soerguidos e refeitos pela confiança na misericórdia de Deus, voltaram-se para o Senhor. Profundamente aterrado ficou Ezequias ao receber o anúncio de sua morte; mas, a chorar, orou [2Rs 20.2; Is 38.2], e tendo firmemente visualizado a bondade de Deus recobrou a confiança. Conturbados foram os ninivitas pela horrível ameaça de destruição; mas, vestidos de saco e cinza, oraram, esperando que o Senhor pudesse demover-se e ser desviado do furor de sua ira [Jn 3.5, 9]. Davi confessou que havia pecado sobremaneira, recenseando o povo, porém acrescentou: “Remove, Senhor, a iniqüidade de teu servo” [2Sm 24.10]. Repreendendo-o Natã, ele reconheceu o crime de adultério e se prostrou diante do Senhor; mas, ao mesmo tempo, esperou seu perdão [2Sm 12.13, 16]. Tal foi o arrependimento dos que sentiram a compunção de seu coração ante a pregação de Pedro, contudo, confiados na bondade de Deus, acrescentaram: “Que faremos, irmãos?” [At 2.37]. Tal foi também o arrependimento do próprio Pedro, que chorou real e amargamente, entretanto não cessou de esperar [Mt 26.75; Lc 22.62].

João Calvino