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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

REITERADA A REFUTAÇÃO DAS TESES DE SERVETO


Bombasticamente, na verdade, a isto insistem em defesa de seu erro: diz-se que Deus não poupou a seu próprio Filho [Rm 8.32], e que o Anjo prescreveu que fosse chamado Filho do Altíssimo Aquele mesmo que haveria de nascer da Virgem [Lc 1.32]. Mas, para que não se ensoberbeçam com tão fútil objeção, ponderem conosco por uns poucos instantes até que ponto é válido seu raciocínio. Ora, se se conclui corretamente que ele começou a ser o Filho de Deus a partir da concepção, daí ser chamado Filho Aquele que foi concebido, então se seguirá que começou a ser o Verbo a partir de sua manifestação na carne, porque João ensina que está anunciando a respeito do Verbo da vida o que suas mãos apalparam [1Jo 1.1]. De igual maneira, se quiserem seguir tal modo de argumentar, como serão compelidos a interpretar o que se lê no Profeta: “Tu, Belém, terra de Judá, és pequenina entre os milhares de Judá; de ti me nascerá um dirigente, que regerá meu povo, Israel, e seu surto é desde o início, desde os dias da eternidade” [Mq 5.2; Mt 2.6]? Ora, já testifiquei que estamos mui longe de concordar com Nestório, que imaginou um duplo Cristo, quando, segundo nossa doutrina, Cristo nos fez com ele filhos de Deus por direito de conjunção fraterna, daí que na carne que de nós assumiu ele é o Filho Unigênito de Deus. Agostinho247 nos adverte com muita prudência, que é um maravilhoso espelho da admirável e singular graça de Deus que Jesus Cristo, quanto a ser homem, alcançou uma honra que não podia merecer.248 Portanto, segundo a carne, mesmo desde o ventre, foi Cristo adornado desta excelência: que fosse o Filho de Deus. Contudo, nem se deve imaginar na unidade da pessoa uma amalgamação que detraia à divindade o que lhe é próprio. Aliás, nem é mais absurdo que a eterna Palavra de Deus e Cristo, unidas as duas naturezas em uma só pessoa, se chame, por modos diversos, o Filho de Deus, que, segundo vários aspectos, se diz ora Filho de Deus, ora Filho do Homem. Também em nada nos preocupa esta outra invectiva de Serveto: que, antes de ter aparecido na carne, Cristo em parte alguma se chama o Filho de Deus, a não ser figurativamente; porquanto, ainda que mais obscura lhe foi então a descrição, como, entretanto, já foi claramente provado, ele não foi de outra forma o Deus eterno senão porque foi a Palavra gerada do Pai eterno; nem de outra sorte compete este nome à pessoa do Mediador, que assumiu, senão porque é Deus manifestado na carne; nem de Deus Pai ter sido assim chamado desde o início, senão porque já então existia mútua relação para com o Filho, “por quem se nomeia toda consangüinidade ou paternidade no céu e na terra” [Ef 3.15]. Daqui se pode prontamente concluir que ele tinha sido o Filho de Deus também sob a lei e os profetas, antes que esse nome fosse insigne na Igreja. E se nos limitarmos a discutir só o termo Filho, 249 discursando a respeito da imensa excelsitude de Deus, Salomão afirma ser incompreensível tanto seu Filho quanto ele próprio. “Diz o nome dele, se podes”, diz ele, “ou de seu Filho” [Pv 30.4]. Tampouco ignoro que entre os contenciosos esta citação não será de peso suficiente, nem mesmo nela me apoio muito, senão que ela mostra que sofismam perversamente aqueles que negam ser Cristo o Filho de Deus, a não ser até onde se fez homem. É preciso advertir também que todos os doutores antigos estiveram sempre concorde, e assim o ensinaram unanimemente. Por isso é uma desfaçatez ridícula e imperdoável a daqueles que se atrevem a escudar-se em Irineu e Tertuliano, pois ambos confessam que o Filho de Deus era invisível, e depois se fez visível.


João Calvino