Resta agora vermos por que o Senhor faz isto, uma vez provado que ele o faz. Se
a resposta for que assim acontece porque os homens, por sua impiedade, iniqüidade
e ingratidão, o mereçam, de fato isso é realmente assim; mas visto que a razão dessa
diversidade ainda não se faz patente, pela qual o Senhor inclina a uns a que lhe
obedeçam e faz que os demais persistam em sua obstinação e dureza, para solucionar
devidamente esta questão devemos recorrer àquilo que Paulo assinalou de Moisés
[Ex 9.16], isto é, que “desde início o Senhor os suscitou para que desse a conhecer
seu nome em toda a terra” [Rm 9.17]. Portanto, o fato de que os réprobos não
obedecem à Palavra de Deus a si revelada, há que imputar-se com toda razão à
malícia e perversidade que reina em seu coração; desde que, ao mesmo tempo, se
acrescente por que foram entregues a esta depravação, ou, seja, que pelo justo,
porém inescrutável, juízo de Deus, foram suscitados para ilustrar sua glória através
de sua própria condenação.
De maneira semelhante, quando se narra sobre os filhos de Eli, que não deram
ouvidos às salutares advertências que seu pai lhes ministrava, porque “o Senhor os
queria matar” [1Sm 2.25], não se nega que a obstinação provinha da própria iniqüidade
deles; entretanto, ao mesmo tempo se nota por que foram abandonados à obstinação,
quando o Senhor podia abrandar-lhes o coração: porque de fato seu decreto
imutável os havia destinado, uma vez por todas, à ruína. Ao mesmo visaessa nota de
João: “E ainda que fizera tantos sinais diante deles, não criam nele; para que se
cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação?”
[Is 53.1; Jo 12.37, 38]. Ora, inda que não escuse a culpa dos contumazes,
contudo, se contenta com esta razão: que a graça de Deus é insípida aos homens até
que o Espírito Santo lhe confira sabor. E Cristo, citando o vaticínio de Isaías, “Serão
todos ensinados por Deus” [Is 54.13; Jo 6.45], não tenciona dar outro sentido, senão
que os judeus eram réprobos e alienados da Igreja porque são indóceis; nem oferece
outra causa, senão que a promessa de Deus não lhes pertença, o que confirma essa
afirmação de Paulo: “Cristo é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os chamados é o poder e a sabedoria de Deus” [1Co 1.23, 24]. Ora, pois,
quando disse o que acontece ordinariamente sempre que o evangelho é pregado, isto
é, que a uns exaspera, por outros é desdenhado, diz que somente entre os chamados
ele é tido em apreço. Aliás, pouco antes [1Co 1.21] os havia denominado de crentes,
mas, à graça de Deus, que precede à fé, não quis negar seu devido lugar; senão que,
antes, adicionou, à guisa de correção, este segundo ponto, para que à vocação de Deus
rendessem o louvor de sua fé os que haviam abraçado o evangelho, assim como também
ensina pouco depois [1Co 1.24] que eles foram eleitos por Deus.
Quando os ímpios ouvem essas coisas, bradam por socorro, visto que, com poder
despótico, Deus abusa de suas míseras criaturas, para a recreação de sua crueldade.
Nós, porém, que sabemos que todos os homens estão, por tantos motivos, de
tal modo sujeitos ao tribunal de Deus, que, interrogados por mil perguntas, na verdade
nem sequer em uma podem satisfazer, confessemos que os réprobos nada sofrem
que não esteja em harmonia com o mui justo juízo de Deus. E não temos que
nos envergonhar de confessar nossa ignorância, quando a sabedoria de Deus se
eleva de forma mui sublime.
João Calvino
Escola Bíblica Conhecedores da verdade - O objetivo deste blog e levar você a conhecer a verdade que liberta de todo o Engano. Nesses últimos tempos, muito se tem ouvido falar do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, porém de maneira distorcida e muitas vezes pervertida, com heresias disfarçada etc. “ ...e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” João 8.32