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quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A CONDENAÇÃO DOS ÍMPIOS, QUE PROMOVE A GLÓRIA DE DEUS, RESULTA NÃO MENOS DA DUREZA DE CORAÇÃO E DA IMPIEDADE DOS RÉPROBOS QUE DA DIVINA DETERMINAÇÃO

Resta agora vermos por que o Senhor faz isto, uma vez provado que ele o faz. Se a resposta for que assim acontece porque os homens, por sua impiedade, iniqüidade e ingratidão, o mereçam, de fato isso é realmente assim; mas visto que a razão dessa diversidade ainda não se faz patente, pela qual o Senhor inclina a uns a que lhe obedeçam e faz que os demais persistam em sua obstinação e dureza, para solucionar devidamente esta questão devemos recorrer àquilo que Paulo assinalou de Moisés [Ex 9.16], isto é, que “desde início o Senhor os suscitou para que desse a conhecer seu nome em toda a terra” [Rm 9.17]. Portanto, o fato de que os réprobos não obedecem à Palavra de Deus a si revelada, há que imputar-se com toda razão à malícia e perversidade que reina em seu coração; desde que, ao mesmo tempo, se acrescente por que foram entregues a esta depravação, ou, seja, que pelo justo, porém inescrutável, juízo de Deus, foram suscitados para ilustrar sua glória através de sua própria condenação. De maneira semelhante, quando se narra sobre os filhos de Eli, que não deram ouvidos às salutares advertências que seu pai lhes ministrava, porque “o Senhor os queria matar” [1Sm 2.25], não se nega que a obstinação provinha da própria iniqüidade deles; entretanto, ao mesmo tempo se nota por que foram abandonados à obstinação, quando o Senhor podia abrandar-lhes o coração: porque de fato seu decreto imutável os havia destinado, uma vez por todas, à ruína. Ao mesmo visaessa nota de João: “E ainda que fizera tantos sinais diante deles, não criam nele; para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu em nossa pregação?” [Is 53.1; Jo 12.37, 38]. Ora, inda que não escuse a culpa dos contumazes, contudo, se contenta com esta razão: que a graça de Deus é insípida aos homens até que o Espírito Santo lhe confira sabor. E Cristo, citando o vaticínio de Isaías, “Serão todos ensinados por Deus” [Is 54.13; Jo 6.45], não tenciona dar outro sentido, senão que os judeus eram réprobos e alienados da Igreja porque são indóceis; nem oferece outra causa, senão que a promessa de Deus não lhes pertença, o que confirma essa afirmação de Paulo: “Cristo é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os chamados é o poder e a sabedoria de Deus” [1Co 1.23, 24]. Ora, pois, quando disse o que acontece ordinariamente sempre que o evangelho é pregado, isto é, que a uns exaspera, por outros é desdenhado, diz que somente entre os chamados ele é tido em apreço. Aliás, pouco antes [1Co 1.21] os havia denominado de crentes, mas, à graça de Deus, que precede à fé, não quis negar seu devido lugar; senão que, antes, adicionou, à guisa de correção, este segundo ponto, para que à vocação de Deus rendessem o louvor de sua fé os que haviam abraçado o evangelho, assim como também ensina pouco depois [1Co 1.24] que eles foram eleitos por Deus. Quando os ímpios ouvem essas coisas, bradam por socorro, visto que, com poder despótico, Deus abusa de suas míseras criaturas, para a recreação de sua crueldade. Nós, porém, que sabemos que todos os homens estão, por tantos motivos, de tal modo sujeitos ao tribunal de Deus, que, interrogados por mil perguntas, na verdade nem sequer em uma podem satisfazer, confessemos que os réprobos nada sofrem que não esteja em harmonia com o mui justo juízo de Deus. E não temos que nos envergonhar de confessar nossa ignorância, quando a sabedoria de Deus se eleva de forma mui sublime.

João Calvino