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quinta-feira, 25 de outubro de 2018

O ROMANISMO, UMA VEZ QUE VIOLA ESSES CÂNONES, LONGE ESTÁ DE SER A VERDADEIRA IGREJA, A DESPEITO DE SUAS PRETENSÕES FALAZES, PRINCIPALMENTE A PROCLAMADA SUCESSÃO APOSTÓLICA

Nesta medida, como é a situação sob o papismo, é possível entender que gênero de Igreja aí subsiste. Em vez do ministério da Palavra, aí reina um regime degenerado e conflacionado de falsidades, que em parte extingue a pura luz da verdade, em parte a sufoca; no lugar da Ceia do Senhor introduziu-se o mais hediondo sacrilégio; o culto de Deus foi deformado por variada e não tolerável aglomerado de superstições; a doutrina, à parte da qual não subsiste Cristianismo, foi inteira sepultada e rejeitada; as reuniões públicas, reduzidas a escolas de idolatria e impiedade. Portanto, ao nos apartar da funesta participação de tantas abominações, nenhum perigo há de que sejamos arrancados da Igreja de Cristo. A comunhão da Igreja não foi estabelecida com esta lei: que seja um vínculo mercê do qual sejamos enredilhados na idolatria, na impiedade, na ignorância de Deus e em outros gêneros de males; mas, antes, para que sejamos mantidos no temor de Deus e na obediência da verdade. Deveras magnificamente eles nos exalçam sua Igreja, de sorte que de modo algum outra no mundo pareça existir; então, como se fosse questão encerrada, todos os que se afastam da obediência dessa Igreja que pintam constituem cismáticos; são hereges todos os que ousam lutar contra sua doutrina. Mas, que razões apresentam que confirmem serem eles a verdadeira Igreja? Alegam, à luz de vetustos anais, o que aconteceu outrora na Itália, na França, na Espanha; que sua origem traçam daqueles santos varões que, com sã doutrina, aí fundaram e levantaram igrejas, e com seu sangue estabeleceram firmemente a própria doutrina e a edificação da Igreja; que na verdade a Igreja, assim entre eles consagrada, não só de dons espirituais, mas também pelo sangue de mártires, foi conservada por perpétua sucessão de bispos, para que não houvesse de perecer. Recordam de quão grande importância tornaram essa sucessão Irineu, Tertuliano, Orígenes, Agostinho entre outros. Quão frívolas são estas alegações, e evidentemente risíveis, farei com que não tenham nenhuma dificuldade para entender os que comigo porventura queiram ponderá-las por breve tempo. Sem dúvida, também os exortaria a volverem seriamente o espírito para isto, se confiasse poder ensinar entre eles algo de proveito. Quando, porém, eles têm este único propósito: seja qual for a via que tomem, direi somente umas poucas coisas, com as quais os homens bons e zelosos do verdadeiro possam desvencilhar-se de suas capciosidades. Primeiro, indago deles por que não citam a África, o Egito e toda a Ásia? Certamente porque em todas essas regiões cessou essa sacra sucessão dos bispos em virtude da qual se gloriam haverem preservado suas igrejas. Chegam, pois, à conclusão, uma vez que têm a verdadeira Igreja, a qual, desde que começou a existir, não foi destituída de bispos, pois têm sucedido uns aos outros em uma série perpétua. Mas, que responderão se eu citar a Grécia? Portanto, indago outra vez deles por que dizem que a Igreja pereceu entre os gregos, entre os quais essa sucessão de bispos nunca foi interrompida, que na opinião desses é o único meio de conservar a Igreja? Fazem dos gregos cismáticos. Mas, por quê? Porque, em se afastando da Sé Apostólica, perderam o privilégio. Como? Porventura não merecem perdê-lo muito mais os que se desgarraram do próprio Cristo? Portanto, em conclusão, é debalde seu pretexto de sucessão, e mais ainda que eles possuem em toda a perfeição a verdade de Cristo, tal como a receberam de seus antepassados, os antigos doutores.

João Calvino