Total de visualizações de página

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O SUMO BEM, NOSSO E DE TODA A CRIAÇÃO, RESIDE NA UNIÃO COM DEUS, PELO QUE A REDENÇÃO FINAL, A CULMINAR NA RESSURREIÇÃO, É A GRANDE ASPIRAÇÃO DE NOSSO VIVER

Os filósofos disputaram outrora, ansiosamente, sobre o supremo fim das boas coisas, e até entre si contenderam, contudo, ninguém, exceto Platão, reconheceu que o sumo bem do homem é sua união com Deus. De que natureza, porém, fosse esta união, nem sequer tênue gosto pôde ele sentir. Nem é de admirar, uma vez que nada aprendera do sagrado víncula dessa união. A nós, até mesmo nesta peregrinação terrena, nos é conhecida a felicidade única e perfeita, mas a desejá-lamais e mais ela nos acende diariamente o coração, até que nos sacie pleno usufruto. Por isso, eu disse que dos benefícios de Cristo nenhum fruto não perceberam, senão aqueles que alçam a ânimo à ressurreição. Assim, Paulo fixa diante dos fiéis este alvo [Fp 3.8], em relação ao qual diz que se esforçava e tudo esquecia, até que o atinja[Fp 3.13]. Daí, também a nós se nos impõe lutar mais dinamicamente em busca do mesmo alvo, para que não soframos as tristes penas de nossa indolência, se o mundo aqui nos avassale. Sendo assim, em outro lugar distingue os fiéis com esta marca: que “sua morada está nos céus”, de onde também “esperam seu Salvador” [Fp 3.20]. E para que nesta corrida seu ânimo não desfaleça, o mesmo Paulo evoca por companheiros a todas as criaturas [Rm 8.19]. Pois uma vez que se contemplam por toda parte ruínas disformes, ele declara que tudo quanto há no céu e na terra luta por sua renovação. Ora, como por sua queda Adão desfez a perfeita ordem da própria natureza, a servidão das criaturas é molesta e grave, à qual vivem sujeitas em razão do pecado do homem. Não que elas sejam dotadas de algum senso, mas porque anseiam naturalmente pelo estado perfeito do qual decaíram. Portanto, Paulo lhes atribui “gemido e dor de parto” [Rm 8.22], para que, “nós que fomos agraciados com as primícias do Espírito” [Rm 8.23], nos envergonhemos de nos definharmos em nossa corrupção, e nem ao menos imitarmos os elementos inermes, que sofrem a pena do pecado alheio. Mas, para que mais agudamente nos punja, ele chama à vinda final de Cristo nossa redenção [Rm 8.23]. De fato é verdade que todas as partes de nossa redenção já foram completadas, mas, porque Cristo foi, uma vez por todas, oferecido pelos pecados [Hb 10.12], haverá de ser visto de novo, sem pecado, para a salvação” [Hb 9.28]. Logo, esta última redenção deve suster-nos até o fim, em meio a qualquer provação que nos angustia, até sua consumação.

João Calvino