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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O MINISTÉRIO ECLESIÁSTICO NO ENSINO DA ESCRITURA: INSTRUMENTO DE DEUS CUJA EFICIÊNCIA RESIDE NO PODER DO ESPÍRITO A OPERAR NELE

Com efeito, visto que nesta época tem havido grande disputa acerca da eficácia do ministério, enquanto uns lhe amplificam hiperbolicamente a dignidade, outros tentam erroneamente transferir ao homem mortal o que é próprio do Espírito, se julgamos que os ministros e mestres penetram às mentes e corações, para que corrijam tanto a cegueira daqueles, quanto a dureza destes, é preciso que se estabeleça a definição correta desta controvérsia. O que de uma e outra parte disputam, com nenhuma dificuldade, facilmente se resolverá observando claramente as passagens onde Deus, o autor da pregação, com ela associando seu Espírito, daí promete fruto, ou outro lado onde, separando-se dos subsídios externos, tanto os princípios da fé quanto todo seu curso reivindica exclusivamente para si. O ofício do segundo Elias foi, conforme o atesta Malaquias, iluminar as mentes e “converter os corações dos pais aos filhos, e os incrédulos à sabedoria dos justos” [Ml 4.5, 6; Lc 1.17]. Cristo declara que envia os apóstolos para que produzam fruto de seu labor [Jo 15.16]; que fruto é esse, entretanto, Pedro o define sucintamente, dizendo que “somos regenerados de semente incorruptível” [1Pe 1.23]. Sendo assim, Paulo se gloria de haver gerado os coríntios através do evangelho [1Co 4.15] e de “serem eles o selo de seu apostolado” [1Co 9.2]; ainda mais, de que ele não era ministro da letra, que apenas percutia os ouvidos com o sonido da voz, mas em poder [1Co 2.4; 1Ts 1.5]. Afirma ainda que os gálatas haviam recebido o Espírito pelo ouvir da fé. Finalmente, em muitas passagens não só se faz cooperador de Deus, mas também atribui a si a função de conferir a salvação [1Co 3.9]. Certamente que todas estas coisas jamais levou o Apóstolo ao ponto de atribuir a si sequer um mínimo à parte de Deus, como o expõe sucintamente em outro lugar: “nosso trabalho no Senhor não veio a ser inútil” [1Ts 3.5], “segundo seu poder que opera em mim poderosamente” [Cl 1.29]. Igualmente, em outro lugar: “Aquele que operou eficazmente em Pedro para a circuncisão operou também eficazmente em mim junto aos gentios” [Gl 2.8]. Mais ainda, como aparece em outras passagens em que não atribui coisa alguma aos ministros quando os considera em si mesmos:6 “Aquele que planta não é nada, e aquele que rega nada é; ao contrário, é Deus quem dá o crescimento” [1Co 3.7]. De igual modo: “Trabalhei mais do que todos; não eu, mas a graça de Deus que me assistia “[1Co 15.10]. E certamente importa reter aquelas afirmações em que Deus, prescrevendo a si a iluminação da mente e a renovação do coração, adverte ser sacrilégio o homem que arroga a si alguma parte de uma e outra dessas duas operações. Entrementes, segundo a docilidade que cada um demonstre aos ministros que Deus ordenou, reconhecerá, com efeito, com grande proveito pessoal, que este modo de ensinar agrada a Deus não sem razão, e que não sem motivo impôs a todos os seus fiéis este jugo de modéstia.

João Calvino