Total de visualizações de página

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

A IGREJA COMO OBJETO DO CRER NO ARTIGO DO CREDO APOSTÓLICO; FUNDAMENTADA NA ELEIÇÃO DIVINA; SUA UNIDADE E UNIVERSALIDADE

No Credo, onde professamos crer na Igreja, isso se refere não só à Igreja visível, de que estamos agora a tratar, mas ainda a todos os eleitos de Deus, em cujo número estão compreendidos também os que foram encerrados pela morte. Por isso também está empregado o termo crer, porque freqüentemente nenhuma distinção se pode assinalar entre os filhos de Deus e os profanos, entre seu próprio rebanho e os animais selvagens. Ora, muitos intercalam aqui a partícula preposicional em, sem razão provável. Certamente reconheço que isso é mais usado e que não é destituído do sufrágio da antigüidade, quando mesmo o Credo Niceno, como se registra na História Eclesiástica, 1 adiciona a preposição. Entretanto, ao mesmo tempo é preciso notar dos escritos dos antigos que foi outrora recebido além de controvérsia que dissesem: creio a Igreja, não creio na Igreja. Pois assim falam não apenas Agostinho2 e aquele escritor antigo, quem quer que seja, cujo tratado De Symboli Expositóne [Exposição do Credo] subsiste sob o nome de Cipriano,3 mas observam, também, explicitamente, ser ela uma expressão imprópria caso se acrescente a preposição, e confirmam seu parecer não com razão frívola. Pois, por isso atestamos que cremos em Deus, que não só nele se reclina nossa alma como verdadeiro, mas também nele repousa nossa confiança, o que assim não conviria à Igreja, da mesma forma nem à remissão dos pecados nem à ressurreição da carne. Portanto, embora não queira litigar acerca de palavras, no entanto preferiria seguir a propriedade de falar que mais se ajusta a exprimir-se o fato do que a afetar fórmulas com as quais a matéria seja, sem motivo, obscurecida. O fim, porém, é que saibamos que, embora o Diabo mova todas as pedras para destruir a graça de Cristo, e também da mesma insana fúria sejam tomados os inimigos de Deus, no entanto ela não pode ser extinguida, nem o sangue de Cristo pode tornar-se estéril, de modo que não produza algum fruto. Sendo assim, impõe-se considerar não só a eleição secreta de Deus, mas também sua vocação interior, já que “só ele conhece os que são seus” e os mantém inclusos sob seu sinete, como fala Paulo [Ef 1.13; 2Tm 2.19], senão que portam suas insígnias, mercê das quais são distinguidos dos réprobos. Mas, visto que exíguo e desprezível número se esconde sob a turba ingente, e uns poucos grãos de trigo estão cobertos por um montão de palha, só a Deus cabe o conhecimento de sua Igreja, cujo fundamento é sua eleição secreta. Aliás, não basta conceber em pensamento e ânimo a multidão dos eleitos, mas também que cogitemos tal unidade da Igreja na qual fomos persuadidos de na verdade estar inseridos. Pois a não ser que tenhamos ajuntados a todos os demais membros sob nosso Cabeça, Cristo, não nos resta nenhuma esperança da herança futura. Por isso se chama Igreja católica, ou universal: que não é possível achar duas ou três, sem que Cristo seja dividido, o que não se pode fazer. Pelo contrário, todos os eleitos de Deus foram de tal modo ligados em Cristo, que, da mesma forma que dependem de uma Cabeça única, assim subsistem em um como que corpo único, ligando-se entre si por esta conexão pela qual são unidos os membros de um mesmo corpo, na verdade feitos um, visto que vivem, a um tempo, em uma só fé, esperança, amor, no mesmo Espírito de Deus, chamados não somente à mesma herança da vida eterna, mas também à participação de um só Deus e Cristo. Portanto, ainda que a triste desolação que de todos os lados nos confronta nada proclame ser restante da Igreja, saibamos que a morte de Cristo é frutífera e que Deus preserva sua Igreja maravilhosamente, como que em esconderijos, assim como foi dito a Elias: “Conservei para mim sete mil homens que não dobraram o joelho diante de Baal” [1Rs 19.18].

João Calvino