Total de visualizações de página

domingo, 7 de outubro de 2018

HÁ DUAS ESPÉCIES DISTINTAS DE VOCAÇÃO: GERAL OU PARTICULAR OU ESPECIAL

Aquela afirmação de Cristo quanto a que muitos são chamados, porém poucos escolhidos[Mt 22.14], é deste modo muito mal entendida. Nada será ambíguo, se sustentarmos o que deve ser claro à luz das considerações supra, de haver dupla espécie de vocação. Ora, há a vocação universal, pela qual, mediante a pregação externa da Palavra, Deus convida a si a todos igualmente, ainda aqueles aos quais a propõe como aroma de morte [2Co 2.16] e matéria da mais grave condenação. A outra é a vocação especial, da qual digna ordinária e somente aos fiéis, enquanto pela iluminação interior de seu Espírito faz com que a Palavra pregada se lhes assente no coração. Contudo, às vezes também faz participantes dela aqueles a quem ilumina apenas por um tempo; depois os abandona ao mérito de sua ingratidão e os fere de cegueira mais profunda. Vendo, pois, o Senhor que seu evangelho havia de ser anunciado ampla e extensivamente, e que era tido em desprezo por muitos, e poucos não o teriam na estima que ele merece, nos descreve a Deus sob a pessoa de um rei que, provendo um banquete solene, envia seus mensageiros por toda a redondeza a fim de convidar grande multidão, contudo obtendo a aceitação de pouquíssimos, porquanto cada um, de sua parte, alega impedimentos, de sorte que, finalmente, recusando esses, seja obrigado a buscar nas encruzilhadas qualquer um que encontre [Mt 22.2-9]. Ninguém deixa de ver até aqui que se deve entender a parábola à luz da vocação externa. Em seguida acrescenta que Deus age à semelhança do bom anfitrião que circula em torno das mesas para receber afavelmente a seus convidados. Aquele, no entanto, a quem porventura ache não ataviado de veste nupcial, de modo nenhum haverá de tolerar que com sua aparência esquálida avilte a alegria festiva do banquete [Mt 22.11-13]. Confesso que se deve entender esta referência daqueles que entram para a Igreja pela profissão de fé, mas de maneira alguma se revestem da santificação de Cristo. Tais aviltamentos, e dir-se-iam  – carcinomas], de sua Igreja, Deus não susterá perpetuamente, mas, segundo merece sua torpeza, os lançará fora. Portanto, poucos foram eleitos dentre o grande número dos chamados, contudo não chamados com esta vocação da qual dizemos que os fiéis devem estimar a eleição. Pois aquela é comum também aos ímpios; esta traz consigo o Espírito de regeneração [Tt 3.5], que é o penhor e selo da herança futura [Ef 1.13, 14], pelo qual nossos corações são selados para o dia do Senhor[2Co 1.22]. Em suma, quando os hipócritas, não diferentemente dos verdadeiras adoradores de Deus, se vangloriem da piedade, Cristo sentencia que serão, finalmente, lançados fora do lugar que indevidamente ora ocupam [Mt 22.13], como se diz no Salmo: “Senhor, quem habitará em teu tabernáculo? – O inocente de mãos e de coração puro” [Sl 15.1,2; 24.4]. Igualmente, em outro lugar: “Esta é a geração dos que buscam a Deus, dos que buscam a face do Deus de Jacó” [Sl 24.6]. E por isso, o Espírito exorta os fiéis à tolerância, de sorte que não suportem com má vontade que os ismaelitas se misturem com eles na Igreja, porquanto, tirada a máscara, afinal serão lançados fora com ignomínia.

João Calvino