Total de visualizações de página

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A PROMESSA DIVINA DE GALARDÃO NÃO VISA A MÉRITO NAS OBRAS, MAS A AJUDAR-NOS EM NOSSA FRAQUEZA E A SUSTER-NOS ANTE AS AGRURAS DO VIVER

Portanto, não pensemos que o Espírito Santo, com promessa desta natureza, esteja enaltecendo a dignidade de nossas obras, como se elas merecessem tal recompensa. Pois a Escritura nada nos deixa em virtude do quê sejamos exaltados à vista de Deus; senão que, antes, tudo nisto se contém: que a arrogância nos contenha, humilhe, prostre e nos esmague inteiramente. Mas o Espírito Santo, com as promessas mencionadas, socorre nossa debilidade, que no momento sucumbiria e se veria por terra, se não fosse sustentada com esta esperança e não mitigasse suas dores e insatisfação com este consolo. Primeiro, que cada um pondere bem quão difícil é abrir mão e renunciar não só a todas as suas coisas, mas também a si próprio. E no entanto, com esta instrução preliminar, Cristo inicia a seus discípulos, isto é, a todos os piedosos. Então, assim os educa através da vida toda sob a disciplina da cruz, para que não ponham o coração ou na cobiça, ou na confiança dos bens presentes. Em suma, assim trata com eles quase sempre que, para onde quer que volvam os olhos, quão longe se divisa este mundo, nada senão desespero percebem por toda parte a se lhes antepor, de sorte que Paulo diz que seremos mais miseráveis que todos os demais homens, caso esperemos somente neste mundo [1Co 15.19]. Para que nestas tão profundas angústias não sucumbam, o Senhor se faz presente com eles, o qual insta a que mais alto levantem a cabeça e mais distante distendam os olhos, para que nele encontrem a bem-aventurança que no mundo não vêem. A esta bem-aventurança chama prêmio, recompensa, retribuição, não estimando o mérito das obras, mas significando ser uma compensação às suas tribulações, sofrimentos, aborrecimentos etc. Por essa razão, nada impede que à vida eterna, segundo o exemplo da Escritura [2Co 6.13; Hb 10.35; 11.26], chamemos recompensa, porque nela o Senhor afasta aos seus dos labores ao descanso, da aflição a um estado próspero e desejável, da tristeza à alegria, da pobreza à afluência, da ignominia à glória, enfim, todos os males que têm sofrido ele converta em bensmaiores. Assim também nada haverá de inconveniente se considerarmos a santidade de vida como o caminho; na verdade, não que faculte o acesso à glória do reino celeste, mas mercê da qual os eleitos sejam conduzidos por seu Deus à sua manifestação, uma vez que esta é sua boa vontade: glorificar aos que santificou [Rm 8.30]. Só não imaginamos a correlação de mérito e recompensa em que despropositadamente se apegam os sofistas, porquanto não atentam para este fim que estamos a expor. Quão contrário é, porém, que olhem em outra direção, quando a um único alvo nos chama o Senhor! Nada é mais claro que ser prometida recompensa às boas obras no propósito de suster com alguma consolação a fraqueza de nossa carne; não, porém, no intuito de inflar os ânimos de vanglória. Portanto, quem daí infere mérito de obras, ou na balança pesa obra com recompensa, do reto desígnio de Deus desmesuradamente se desgarra.

João Calvino