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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

DEMONSTRAÇÃO DE QUE ROMANOS 2.13 ESTÁ BEM LONGE DE RESPALDAR A JUSTIFICAÇÃO ATRAVÉS DAS OBRAS

Bem pouco lhes serve o que alegam de Paulo com este propósito: “Porque os que ouvem a lei não são justificados diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados” [Rm 2.13]. Não pretendo safar-me com a solução de Ambrósio, segundo o qual isso foi dito porque o cumprimento da lei é a fé em Cristo; pois entendo ser isso mero subterfúgio, ao qual não há razão por que recorrer quando o caminho está aberto. O Apóstolo neste lugar rebate a vã confiança dos judeus, os quais blasonavam do mero conhecimento da lei quando, ao mesmo tempo, eles se constituíam em seus mais acirrados desprezadores. Por isso, para que não se ufanassem tanto com o mero conhecimento da lei, o Apóstolo os adverte para que buscassem na prática da lei sua justiça, e não no mero conhecimento dela. Certamente que não pomos isto em dúvida, ou, seja, que a justiça da lei consiste nas obras, contudo, não concordamos que a justiça consista na dignidade e nos méritos das obras. Mas, não foi ainda provado que somos justificados pelas obras, a menos que alguém, um só que seja, demonstre que haja cumprido a lei. Ora, que Paulo não queria dizer outra coisa, o próprio contexto testifica suficientemente bem a respeito. Depois que ele condenara de injustiça a gentios e a judeus igualmente, então passa à distinção e diz que “aqueles que pecaram sem a lei, sem a lei perecerão”, se referindo aos gentios; “os que, porém, pecaram na lei, pela lei serão julgados” [Rm 2.12], se reportando aos judeus. Com efeito, uma vez que, fechando os olhos a suas prevaricações, esses na mera lei se ensoberbeciam, ele adiciona que com isso se harmonizava muito bem: não que por isso a lei fora sancionada, a saber, para que os homens se tornassem justos unicamente por ouvir sua voz, mas para que, então, lhe obedecessem, como se estivesse dizendo: Buscas a justiça na lei? Não digas que a ouviste, porque isso em si mesmo seria de pouco peso, porém exibe obras pelas quais declaras que a lei não te foi imposta em vão. Visto que todos estavam vazios disto, seguia-se que estavam privados de gloriar-se na lei. Conseqüentemente, da intenção de Paulo há de deduzir um argumento contrário, como segue: a justiça da lei se situa na perfeição das obras; ninguém pode gabar-se de haver satisfeito a lei através de suas obras; portanto, nenhuma justiça provém da lei.

João Calvino