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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A SEGUNDA FUNÇÃO DA DOUTRINA DA LIBERDADE CRISTÃ É ISENTAR-NOS DA OBEDIÊNCIA COMPULSÓRIA À LEI PARA A LIVRE OBEDIÊNCIA À VONTADE DE DEUS

A segundafunção da liberdade cristã, que depende da primeira, é que as consciências guardem a lei não como se coagidas pela necessidade da lei, mas, ao contrário, livres do jugo da própria lei, obedeçam espontaneamente à vontade de Deus. Pois, visto que vivem em perpétuos terrores por quanto tempo estão sob o domínio da lei, jamais estarão dotadas de alegre prontidão à obediência a Deus, a menos que antes sejam brindadas com liberdade desta natureza. Mercê de um exemplo, não só mais sucinta, mas ainda mais claramente, compreenderemos a que fim se inclinam estas coisas: é da lei o preceito que “amemos a nosso Deus de todo o coração, de toda a alma, de todas as forças” [Dt 6.5]. Para que isto aconteça, a alma tem antes que esvaziar-se de todo e qualquer outro sentimento e pensamento; tem de expurgar-se de todos os desejos do coração; neste único ponto as forças têm de ser associadas e concentradas. Aqueles que mais do que outros têm avançado bastante no caminho do Senhor, ainda estão muitíssimo longe desta meta. Pois ainda que amem a Deus do fundo da alma e com sincero afeto de coração, contudo, ainda têm muita parte do coração e da alma ocupada pelas cobiçasda carne, pelas quais são retraídos e impedidos de avançarem em marcha acelerada rumo a Deus. Na verdade, porfiam com muito esforço, mas a carne em parte lhes debilita as forças, em parte as aplica a si mesmos. Ora, o que se deve fazer aqui, quando sentem que nada cumprem menos do que a lei? Querem, aspiram, tentam; nada, porém, com essa perfeição que é imprescindível. Se contemplam a lei, percebem que maldita é toda obra que intentam ou premeditam. E ninguém pode enganar-se pensando que sua obra não é inteiramente má, a despeito de ser imperfeita, e que, por isso, o que de bom há nela é, não obstante, aceitável a Deus. Ora, a lei, exigindo amor perfeito, a menos que o rigor lhe seja mitigado, condena toda imperfeição. Portanto, pondere refletidamente sua obra, que em parte queria que fosse vista como boa, a despeito de ser imperfeita, verificará que é transgressão da lei.

João Calvino