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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

DIVISÃO E SENTIDO GERAL DA ORAÇÃO DO SENHOR

Esta fórmula ou regra de orar é constituída de seis petições. Ora, a razão que me leva a não dividi-la em sete artigos, como fazem alguns, é que o evangelho, ao dizer, “não nos deixe cair em tentação, mas livra-nos do mal”, liga dois membros para fazer uma só petição; ao contrário, “socorre-nos em nossa debilidade e não nos deixes cair”. Conosco estão também de acordo antigos escritores da igreja;300 de sorte que, agora, o que em Mateus foi adicionado em sétimo lugar deve ser exegeticamente atribuído à sexta petição. Mas, ainda que toda a oração seja de tal natureza que por toda parte deva-se ter em primeiro plano o motivo da glória de Deus, contudo as primeiras três peticões se destinaram particularmente à glória de Deus, a qual, nelas, temos unicamente que levar em conta, sem ter absolutamente em nenhuma consideração nosso proveito. As três petições restantes tratam do cuidado de nós mesmos e foram assinaladas propriamente àquelas coisas que se devem suplicar em virtude de nossa necessidade. Por exemplo, quando rogamos que o nome de Deus seja santificado, visto que Deus quer pôr à prova se porventura se é amado e cultuado por nós desinteressadamente, ou pela esperança de recompensa, então nossa vantagem não deve estar em cogitação; pelo contrário, sua glória deve estar posta diante de nós, para que, de olhos fixos, só contemplemos a ela. Tampouco devemos deixar-nos afetar de outro modo nas orações restantes desta natureza. Certamente disto se deduz um grande proveito para nós; porque, enquanto seu nome é dessa forma santificado como pedimos, assim também, por sua vez, se opera nossa santificação. Nossos olhos, porém, como já foi dito, devem estar fechados para proveito dessa ordem, e de certo modo se fazerem cegos, para que não atentem absolutamente para o mesmo. De sorte que, se fosse cortada toda esperança de nosso bem particular, contudo, esta santificação, e outras coisas que dizem respeito à glória de Deus, não deixam de ser por nós almejadas e suplicadas nas orações. Como se observa nos exemplos de Moisés e de Paulo [Ex 32.32; Rm 9.3], aos quais não foi penoso desviar de sua própria pessoa a mente e os olhos, e com zelo veemente e inflamado, pedir sua própria perdição, para que, até mesmo com dano próprio, pudessem promover a glória e o reino de Deus. Por outro lado, quando pedimos que nos seja dado nosso pão de cada dia, ainda que desejemos o que é de nosso interesse, contudo, aqui também, devemos buscar especialmente a glória de Deus, para que de fato nada peçamos, a não ser o que redunde para sua glória. Agora avancemos para com a própria exposição da Oração do Senhor.

João Calvino