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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O FATO DE DEUS OUVIR AS ORAÇÕES DE SEUS SANTOS NESTA VIDA NÃO PROVA O PODER DE SUA INTERCESSÃO APÓS A MORTE, ANTES NOS DESAFIA A ORAR COMO FIZERAM

Mas o que a alguns realmente impressiona é que freqüentemente lemos que as orações dos santos são ouvidas. Por quê? Obviamente, porque oraram. “Em ti esperaram”, diz o Profeta, “e foram salvos; clamaram, e não foram confundidos” [Sl 22.4, 5]. Oremos, pois, também nós, segundo seu exemplo, para que, à semelhança deles, sejamos ouvidos. Estes, porém, contrariamente arrazoam, em contraposição a tudo que é próprio, dizendo que ninguém será ouvido, senão os que já foram ouvidos. Tiago o expressa muito melhor! “Elias”, diz ele, “era um homem semelhante a nós, e orou fervorosamente para que não chovesse, e por três anos e seis meses não choveu sobre a terra. Orou novamente, e o céu deu chuva, e a terra deu seu fruto” [Tg 5.17, 18]. Por quê? Porventura infere Tiago que houvesse em Elias alguma prerrogativa singular à qual nos devamos acolher? Longe disso! Ao contrário, ele ensina o perpétuo poder da oração pia e pura, com o fim de nos exortar a que oremos de modo semelhante. Porque entenderíamos mal a prontidão e benignidade de Deus em ouvilas, se com tais experiências dos santos não nos firmarmos com maior confiança em suas promessas, nas quais garante que seu ouvido estará atento para ouvir não a um ou a outro, ou mesmo a uns poucos, mas a todos que invocarem seu nome. E por isso tanto menos admite escusa de sua ignorância, porque parecem desprezar, por assim dizer, deliberadamente a tantas advertências da Escritura. Porventura foi Davi freqüentemente livrado pelo poder de Deus para apropriar-se dele, de modo que fôssemos livrados por seu sufrágio? Ele mesmo se expressa de modo muito distinto: “Os justos esperam por mim, até que me recompenses” [Sl 142.7]. Igualmente: “Os justos verão, e se regozijarão, e esperarão no Senhor” [Sl 52.6; 64.10]; “Este pobre clamou a Deus, e ele lhe respondeu” [Sl 34.6]. Muitas são as orações desta natureza nos Salmos, nas quais ele apela a Deus para que, por esta razão, conceda o que está a implorar, para que os justos não sejam envergonhados; antes, por seu exemplo, sejam animados a orar bem. Agora, estejamos satisfeitos com um só exemplo: “Por isso, todo santo orará a ti em tempo oportuno” [Sl 32.6]; passagem que cito com muito mais prazer, porque estes indoutos advogados não se acanham em haver vendido sua língua mercenária a serviço do papado, evocando-a para provar a intercessão dos mortos. Como se realmente outra coisa quisesse Davi senão mostrar o fruto que provirá da clemência e da benignidade de Deus, quando concede o que lhe é pedido. E é preciso sustentar, de modo geral, que a experiência da graça de Deus, tanto por nós, quanto por outros, não é uma ajuda diminuta em confirmar-se a fidelidade de suas promessas. Não recito as muitas passagens onde Davi põe diante de si os benefícios de Deus como fator de confiança, porque prontamente ocorrerão aos leitores dos Salmos. Jacó ensinara isso mesmo, com seu exemplo: “Menor sou eu que todas as beneficências, e que toda a fidelidade que fizeste a teu servo; porque com meu cajado passei este Jordão, e agora me tornei em dois rebanhos” [Gn 32.10]. É verdade que ele se refere à promessa, todavia não a só à promessa, senão que, ao mesmo tempo, acresce o efeito, para que no futuro possa mais animosamente confiar que Deus haverá de ser o mesmo para consigo. Porquanto Deus não é semelhante aos mortais, que se entediam de sua liberalidade ou cuja capacidade se exaure; pelo contrário, deve ser estimado por sua própria natureza, como judiciosamente o faz Davi: “Tu me redimiste”, diz ele, “Senhor Deus da verdade” [Sl 31.5]. Depois que a Deus tributa o louvor de sua salvação, acrescenta ser ele veraz, porquanto, a não ser que fosse perpetuamente semelhante a si mesmo, o argumento que se tomaria de seus benefícios não seria suficientemente sólido para confiar nele e o invocar.288 Quando, porém, sabemos que sempre que nos assiste ele dá exemplo e prova de sua bondade e fidelidade, não há por que temer que nossa esperança nos arraste à vergonha ou nos engane.

João Calvino