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sábado, 22 de setembro de 2018

AFIRMAÇÕES DE APARENTE RETIDÃO INERENTE OU MÉRITO PESSOAL EXPRESSAS POR SANTOS DE DEUS, SIMPLESMENTE RETRATAM A CONFIANÇA DE QUE O AGRADAM POR SUA GRAÇA

É verdade que algumas vezes parece que os santos alegam sua própria justiça como auxílio a fim de alcançar mais facilmente de Deus o que pedem; como quando Davi diz: “Guarda minha alma, porque sou bom” [Sl 86.2]; igualmente, Ezequias: “Rogo-te que te lembres, ó Senhor, de que tenho andado diante de ti em verdade, e tenho feito o bema teus olhos” [2Rs 20.3; Is 38.3]; com tais fórmulas de expressão, nada mais significamsenão que da própria regeneração se comprova que são servos e filhos de Deus, aos quais ele próprio promete haver de ser propício. Ele ensina através de seu Profeta, como já notamos, que “seus olhos estão sobre os justos; seus ouvidos estão voltados para suas preces” [Sl 34.15]. Novamente, através do Apóstolo: “que tudo quanto pedirmos receberemos, se guardarmos seus mandamentos” [1Jo 3.22]. Com estas afirmações ele não está anexando à oração o valor do mérito das obras; ao contrário, ele quer assim firmar a confiança daqueles que estão devidamente cônscios de integridade e inocência não fingidas, que devem estar presentes em todos os fiéis. Ora, de fato, da própria verdade de Deus foi tomado o que em João diz o cego cuja visão fora restaurada, que “os pecadores não são ouvidos por Deus” [Jo 9.31], se entendermos por pecadores apenas segundo os termos próprios da Escritura: todos aqueles que dormitam e descansam em seus pecados sem anseio de justiça, uma vez que nenhum coração jamais prorromperá em sincera invocação de Deus que, ao mesmo tempo, não aspire à piedade. Portanto, as súplicas dos santos respondem a tais promessas, nas quais fazem menção de sua purezaou inocência, para que sintam manifestar-se-lhes o que deve ser esperado de todos os servos de Deus. Além disso, são então achados fazendo uso ordinariamente deste gênero de prece, quando diante do Senhor se comparam com seus inimigos, de cuja iniqüidade desejavam ser protegidos por sua mão. Com efeito, nesta comparação não é de admirar se trouxeram a lume sua própria justiça e candura de coração, a fim de mover a Deus a que à vista da eqüidade e justiça de sua causa, os socorresse. Não arrebatemos, pois, do coração piedoso o que é bom: que usufrua, diante do Senhor, da consciência de sua pureza, a fim de firmar-se nas promessas com as quais o Senhor consola e sustém a seus verdadeiros cultores; ao contrário, queremos que, descartada a cogitação do mérito pessoal, a confiança de obter o que se suplica nas preces se apóie na mera clemência de Deus.

João Calvino