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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A QUESTÃO DOS ESCÂNDALOS, SUAS MODALIDADES (CAUSADOS OU RECEBIDOS, REAIS OU FARISAICOS) E ATITUDES A ASSUMIR EM RELAÇÃO A ELES

Conseqüentemente, aqui direi algo a respeito dos escândalos, como deverão eles distinguir-se, quais devem ser evitados, quais, igualmente, devem ser negligenciados, do quê, em seguida, é possível afirmar que lugar nossa liberdade ocupa entre os homens. Agrada, porém, essa distinção comum que refere o escândalo um como dado, o outro como assumido, visto que não só tem claro testemunho da Escritura, nem exprime ineptamente o que significa. Se por inoportunidade ou leviandade, ou intemperança, ou temeridade, não na devida ordem, nem em seu lugar, faças algo, mercê do qual os ignorantes e os fracos ficam escandalizados, se dirá que o escândalo foi dado por ti, porquanto por tua culpa terá acontecido que se suscitasse ofensa desta natureza. E em geral se diz que tal escândalo foi dado em alguma coisa quando a culpa do qual procedeu do autor da própria coisa. Chama-se escândalo assumido, quando a coisa indevidamente cometida de outra sorte não é má nem foi feita indiscretamente, se toma com má vontade e certa malícia como ocasião de escândalo. Ora, aqui não havia escândalo dado, mas esses intérpretes perversos sem causa o assumem. Nesse primeiro gênero de escândalo são ofendidossomente os fracos; neste segundo, porém, as mentalidades intempestivas e as disposições farisaicas. Por isso, a um chamaremos o escândalo dos fracos; ao outro, o escândalo dos fariseus; e assim temperaremos o uso de nossa liberdade que deve ceder à ignorância dos irmãos fracos, de maneira alguma ao rigor dos fariseus. Quanto devemos preocupar-nos com os irmãos que são mais débeis, Paulo o demonstra sobejamente em muitas passagens. “Acolhei”, diz ele, “os fracos na fé” [Rm 14.1]; igualmente: “Assim que não julguemos mais uns aos outros; antes, seja vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão” [Rm 14.13], e muitas outras passagens no mesmo sentido, que é mais satisfatório lê-las no texto do que inscrevê-las aqui. A síntese é que “Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar-nos a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao próximo no que é bom para edificação” [Rm 15.1, 2]. Em outro lugar: “Mas vede que vossa liberdade não seja, de algum modo, tropeço para aqueles que são fracos” [1Co 8.9]; igualmente: “Comei de todas as coisas que se vendem no mercado, nada perguntando por causa da consciência; digo, porém, não tua consciência, mas a do outro” [1Co 10.29]; finalmente: “Portai-vos de modo que não deis escândalos nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus” [1Co 10.32]. Ainda em outro lugar: “Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor” [Gl 5.13]. E de fato é assim. Nossa liberdade não nos foi dada contra nosso próximo fraco, de quem a caridade nos constituiservos em todas as coisas; ela nos foi dada, sim, para que, tendo paz com Deus em nossas almas, em paz também vivamos entre os homens. Mas com respeito a fazermos escândalo aos fariseus, aprendemos das palavras do Senhor, com as quais ele ordena que não se deve levá-los em consideração, porque são cegos, guias de cegos [Mt 15.14]. Os discípulos chamaram-lhe a atenção de que estes se haviam ofendido com seu discurso [Mt 15.12]. Então lhes responde que eles deveriam ser ignorados, tampouco se deveria dar atenção a seu escândalo.

João Calvino