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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

REFUTAÇÃO DAS FALSAS ACUSAÇÕESCOM QUE OS PAPISTAS TENTAM GRAVAR DE ÓDIO A ESTA DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ SOMENTE

 A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ, LONGE DE ABOLIR AS BOAS OBRAS, AS FAZ NÃO SÓ POSSÍVEIS, PORÉM NECESSÁRIAS, JÁ QUE JUSTIFICAÇÃO E SANTIFICAÇÃO NÃO DEVEM SER DISSOCIADAS

Com isso pode refutar-se, em uma palavra, a impudência de certos ímpios que nos caluniam dizendo que abolimos as boas obras e que afastamos os homens de seu zelo, quando dizemos que eles não são justificados pelas obras, nem através delas merecem a salvação; e, em segundo lugar, que aplainamos um caminho demasiado fácil para a justiça, quando ensinamos que ela repousa na remissão gratuita dos pecados, e com isso engodamos os homens, de sua própria disposição mais do que excessivamente inclinados a fazê-lo, e os induzimos a pecar. Reitero que tais afirmações caluniosas são refutadas sobejamente com apenas aquela consideração. Contudo, responderei a cada uma delas de forma breve. Alegam que as boas obras são destruídas através da justificação pela fé. Abstenho-me de dizer quem são esses zelotes de boas obras que tanto nos difamam. Que lhes seja permitido insultar tão impunemente quão licenciosamente infectam a todo o mundo com a obscenidade de sua vida. Fingem ofender-se que as obras percam seu valor quando se exalta tanto a fé. No entanto, e se com isso elas mais se exaltam e se fortalecem? Pois não sonhamos com uma fé vazia de boas obras, nem com uma justificação que subsista sem elas. A diferença está apenas nisto: enquanto confessamos que a fé e as boas obras estão, necessariamente, associadas entre si, contudo colocamos a justificação na fé, não nas obras. Por que razão isso é feito, a explicação é imediata, se tão-só nos voltarmos para Cristo, a quem a fé se dirige e donde ela recebe toda sua força. Portanto, por que somos justificados pela fé? Porque pela fé nos apropriamos da justiça de Cristo, mercê da qual unicamente somos reconciliados com Deus. Desta, contudo, não poderás apropriar-te sem que, ao mesmo tempo, te apropries também da santificação, visto que “ele nos foi dado para justiça, sabedoria, santificação e redenção” [1Co 1.30]. Logo, Cristo a ninguémjustifica, a quem, ao mesmo tempo, não santifique. Ora, estas mercês são ligadas por vínculo perpétuo e indivisível, de modo que aqueles a quem ilumina com sua sabedoria, os redime; aqueles a quem redime, os justifica; aqueles a quem justifica, os santifica. Entretanto, uma vez que a questão é apenas acerca da justiça e da santificação, insistamos nelas. Ainda que entre elas façamos distinção, contudo Cristo contém ambas inseparavelmente nele. Queres, pois, obter justiça em Cristo? Então é necessário que antes possuas a Cristo; porém não podes possuí-lo sem que te tornes participante de sua santificação, já que ele não pode ser dividido em parcelas [1Co 1.13]. Quando, pois, o Senhor nos concede usufruir dessas mercês somente por haver-se dado a si mesmo, a ambas ele ao mesmo tempo prodigaliza, uma jamais sem a outra. Portanto, faz-se evidente quão verdadeiro é que somos justificados não sem as obras, contudo nem por meio das obras, porque na participação de Cristo, na qual consiste toda nossa justiça, não se contém menos a santificação que a justiça.

João Calvino