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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

SOMENTE DA ESCRITURA SE DEVE PERSCRUTAR A PREDESTINAÇÃO, O QUE ALIJARÁ A ESPECULAÇÃO TEMERÁRIA E MESMO DANOSA

“Chegamos”, diz Agostinho, “ao caminho da fé; mantenha mo-lo com firme constância. Que ele nos conduza à câmara do Rei, na qual estão escondidos todos os tesouros do conhecimento e da sabedoria. Ora, a seus grandes e mui seletos discípulos não olhava com despeito o próprio Cristo Senhor, quando disse: ‘Muitas coisas tenho para vos dizer, porém não as podeis suportar agora’ [Jo 16.12]. Necessário se faz andar, necessário se faz avançar, necessário se faz crescer, para que nossos corações sejam capazes dessas coisas que não podemos presentemente apreender. Porque, se o último dia nos achar progredindo, aí aprenderemos o que aqui não pudemos aprender.” Se reina em nós o pensamento de que a Palavra do Senhor é o único caminho que nos conduz a investigar tudo quanto é justo dele sustentar-se, é a única luz que à frente nos resplandece para bem perceber tudo quanto a respeito dele convém considerar-se, de toda temeridade facilmente nos conterá e coibirá. Porque sabemos que no momento em que transpusermos os limites assinalados pela Escritura, seremos perdidos fora do caminho e entre trevas espessas, no qual teremos necessariamente que vagar, muitas vezes, sem rumo, resvalar e a tropeçar. Portanto, que antes de tudo isto esteja diante dos olhos: que procurar outro conhecimento da predestinção além daquele que se expõe na Palavra de Deus, é como se um homem quisesse andar fora do caminho por rochas e penhascos, ou quisesse ver em densa escuridão. Aliás, tampouco nos cause vergonha ignorar algo nessa matéria na qual há certa douta ignorância. Antes, de bom grado nos abstenhamos da perquirição desse conhecimento cuja afetação é tão estulta quão perigosa, e até mesmo fatal. Porque, se a intemperança da mente nos acossa, é oportuno que sempre se lhe oponha este provérbio com que seja repelida: “Comer mel demais não é bom; assim, a busca da própria glória não é glória” [Pv 25.27]. Ora, há razão para recuarmos atemorizados dessa ousadia, a qual nos pode precipitar à ruína.

João Calvino