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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

SEGUNDA PETIÇÃO: “VENHA TEU REINO”

A segunda petição consiste em que o reino de Deus venha [Mt 6.10]; que, embora ela não contenha nada de novo, entretanto, não sem razão se distingue da primeira, porquanto, se considerarmos nosso torpor na maior de todas as coisas, faz-se necessário inculcar em mais palavras o que por si só deveria ser sobejamente conhecido. Portanto, depois que sermos incitados a rogar a Deus que ponha em sujeição, e por fim aniquile completamente a tudo quanto causa mancha em seu sacro nome, então acrescenta-se outra petição, semelhante e quase a mesma: que seu reino venha. Mas, ainda que a definição deste reino já foi dada por nós previamente, agora a repito de modo sucinto: Deus reina onde os homens, tanto pela negação de si mesmos, quanto pelo desprezo do mundo e da vida terrena, se submetem a sua justiça a fim de aspiraremà vida celestial. Daí, este reino consiste de duas partes: uma, que Deus, mediante o poder de seu Espírito, corrija todos os desejos depravados da carne, os quais pelejam contra ele em batalhões; então, que conforme todos nossos sentimentos à obediência de sua soberania. E assim nesta oração não são outros que mantêm a ordem legítima, senão aqueles que começam de si próprios, isto é, que se purguem de todas as mazelas que perturbam a tranqüila condição do reino de Deus e infectam sua pureza. Ora, visto que a Palavra de Deus é como que seu cetro régio, aqui se nos ordena a que oremos para que as mentes e corações de todos se lhe sujeitem à voluntária obediência, o que acontece quando, pela secreta inspiração do Espírito, haja manifestado a eficácia de sua Palavra, para que tenha a preeminência no grau de honra que merece. Em seguida a isso, convém descer aos ímpios, os quais, obstinadamente e com desesperado furor, lhe resistem à autoridade. Portanto, Deus erige seu reino abatendo ao mundo todo, contudo, de modos diversos, porquanto de uns doma o desenfreamento; de outros quebranta o indomável orgulho. Deve-se almejar que aconteça cada dia que de todos os rincões do mundo Deus junte a si ajunte suas igrejas, as propague e as faça aumentar em número, as sature de suas dádivas, estabeleça nelas ordem legítima; em contraposição, que prostre a todos os inimigos da sã doutrina e religião; lhes dissipe os conselhos; lance abaixo seus planos. Do quê transparece que não é debalde que se nos preceitua o esforço de progresso diário, porquanto nunca as coisas humanas procedem tão bem que, dissipadas e purgadas a sordidez dos vícios, a integridade floresça e viceje plenamente. Sua plenitude, porém, delonga-se até à vinda final de Cristo, quando, segundo o ensino de Paulo, “Deus será tudo em todas as coisas” [1Co 15.28]. E assim, esta segunda petição deve retrair-nos das corrupções do mundo, as quais nos separam de Deus, de sorte que dentro de nós não medre seu reino; ao mesmo tempo, deve inflamar-se o zelo pela mortificação da carne; finalmente, nos ensina a suportar a cruz, quando deste modo Deus quer que seu reino seja propagado. E não se deve ter por injusto que o homem exterior se corrompa, conquanto que o interior se renove [2Co 4.16]. Pois esta é a condição do reino de Deus: que enquanto nos submetemos à sua justiça, nos tornemos participantes de sua glória! Isto se realiza quando sua luz e sua verdade sempre resplandeçam de novos incrementos, mercê das quais as trevas e enganos de Satanás e seu reino desvanecem, se extinguem e perecem; aos seus protege, com o auxílio de seu Espírito, os dirige à retidão e os firma à perseverança; frustra, porém, as ímpias conspirações dos inimigos, dissipa seus ardis e embustes, se opõe à sua malignidade, reprime a obstinação, até que, por fim, dê cabo do Anticristo com o Espírito de sua boca e destrua toda impiedade com a esplendor de sua vinda [2Ts 2.8].

João Calvino