Total de visualizações de página

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

TAMPOUCO MATEUS 19.17 CORROBORA A TESE DE QUE A JUSTIFICAÇÃO RESULTA DA OBEDIÊNCIA AOS PRECEITOS DA LEI, PORTANTO DO MÉRITO DAS BOAS OBRAS

Não desejo considerar um a um os testemunhos que os sorbonistas caprichosos tomam inconsideradamente, e à revelia, da Escritura, segundo se lhes apresentam, com o fim de nos combater. Ora, alguns desses testemunhos são tão ridículos que nem eu mesmo posso mencioná-los, a menos que queira ser tido, com razão, por inepto. Portanto, concluirei esta matéria quando tiver explicado uma afirmação de Cristo na qual sobremodo se comprazem. Pois, Cristo responde ao advogado que indagava o que seria necessário para a salvação: “Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos” [Mt 19.17]. Que mais queremos, dizem eles, quando pelo próprio autor da graça nos é ordenado adquirir o reino de Deus mediante a observância dos mandamentos? Como se de fato não fosse evidente que Cristo tenha acomodado suas respostas àqueles com quem via ter de tratar! Aqui ele é interrogado por um doutor da lei quanto à maneira de obter-se a bem-aventurança; e não o faz de qualquer maneira, mas fazendo com que os homens cheguem a ela. E não só a pessoa do interlocutor, mas também a própria indagação induzia o Senhor a que assim respondesse. Esse doutor da lei, imbuído da persuasão da justiça legal, estava obcecado na confiança das obras; além disso, ele não indagava outra coisa senão quais eram as obras de justiça com que a salvação é adquirida. Logo, com razão, ele é reencaminhado à lei, na qual está o espelho absoluto da justiça. Nós, também, proclamamos com clara voz que, se a vida é buscada nas obras, então que se guardem os mandamentos. É necessário que os cristãos conheçam esta doutrina, porque, como buscariam refúgio em Cristo, a menos que reconheçam que do caminho da vida caíram no precipício da morte? Como, porém, compreenderiam quão longe se encontram extraviados do caminho da vida, a não ser que antes compreendam de que natureza é ele? Portanto, então finalmente, se tornam cônscios de que em Cristo se acha seu refúgio de recobrar-se a salvação, quando discernem quão grande é a diferença de sua vida com a justiça divina, que se contém na observância da lei. Eis aqui a síntese: se a salvação for buscada nas obras, então eles têm que guardar os mandamentos, por meio dos quais somos instruídos à justiça perfeita. Mas não devemos deter-nos aqui, salvo se quisermos fracassar em meio à corrida, pois nenhum de nós está apto a guardar os mandamentos. Portanto, uma vez que estamos excluídos da justiça da lei, faz-se necessário que nos transportemos a outro refúgio, isto é, à fé em Cristo. Por essa razão, como aqui o Senhor evoca a lei a um doutor da lei a quem sabia estar inflado de vã confiança nas obras, da qual possa aprender ser um pecador, sujeito ao tremendo juízo da morte eterna, assim, em outro lugar, omitida a menção da lei, consola com a promessa da graça a outros que já foram quebrantados com seu conhecimento desta natureza: “Vinde a mim todos os que estais cansados, e estais sobrecarregados, e eu vos aliviarei, e achareis descanso para vossas almas” [Mt 11.28, 29].

João Calvino