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domingo, 19 de agosto de 2018

A CERTEZA DA FÉ NÃO É AFETADA PELO DEVIDO TEMOR DE DEUS

Não obstante, há outra espécie de “temor e tremor” [Fp 2.12], a qual está mui longe de empobrecer a certeza da fé, a qual, ao contrário, é estabelecida com maior firmeza. Na verdade, isto se dá enquanto os fiéis, ou pensam que seus exemplos são conferidos à guisa de avisos da divina vingança contra os ímpios, solicitamente se munem de prudência para que não lhes aconteça que provoquem contra si a ira de Deus mediante as mesmas ofensas, ou, quando examinam em seu íntimo sua própria miséria, aprendem a depender inteiramentedo Senhor, sem o qual percebem que são mais instáveis e efêmeros que qualquer vento. Ora, o Apóstolo, ao falar das punições com as quais o Senhor castigara outrora ao povo de Israel, incute terror aos Coríntios para que não se enredilhem em males semelhantes [1Co 10.4-11]. Com isso, não pretende abalar sua confiança; ao contrário, apenas lhes sacode o torpor da carne, mediante o qual a fé costuma ser mais quebrantada que fortalecida. Tampouco, quando pela queda dos judeus se mune de razão para exortar que “aquele que está de pé, olhe que não caia” [1Co 10.12], nos prescreve que vacilemos, como se estivéssemos pouco certos de nossa firmeza, mas apenas desfaz a arrogância e o temerário excesso de confiança de nossa própria força, para que, sendo os judeus rejeitados, os gentios, recebidos em seu lugar, não exultem desmesuradamente [Rm 11.20, 21]. Ainda que aí fale não só aos fiéis, mas, em sua consideração ele inclui também os hipócritas, os quais se gloriavam apenas na aparência exterior. Pois não adverte a homens individualmente; mas, estabelecida comparação entre judeus e gentios, depois que mostrara que aqueles tinham sofrido as justas punições de sua incredulidade e ingratidão, a saber, que haviam sido rejeitados, também a estes exorta a que não percam, enchendo-se de orgulho e exaltando-se a si mesmos, a graça da adoção que há pouco lhes fora transferida. Mas, da mesma forma que naquela rejeição dos judeus alguns sobravam dentre eles, os quais de modo algum apostataram do pacto de adoção, assim podiam alguns erguer-se dentre os gentios, os quais, sem genuína fé, apenas se inflariam de estulta confiança carnal; e assim, para sua ruína, abusariam da benignidade de Deus. Com efeito, ainda que se admita que se aplique aos eleitos e fiéis esta referência, não haverá nisso inconveniente algum. Ora, uma coisa é reprimir a temeridade que dos resquícios da carne amiúde se insinua aos santos sorrateiramente, para que não se esbaldem em vã confiança; outra é afligir de temor a consciência, de sorte que não descanse em plena segurança na misericórdia de Deus.

João Calvino