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domingo, 19 de agosto de 2018

A BIPOLARIDADE DA EXPERIÊNCIA DE FÉ NA PERSPECTIVA DO ENSINO DE PAULO

A um e outro desses dois aspectos, o Apóstolo ensina magistralmente, em diversos lugares, pois quando diz que “conhecemos em parte e em parte profetizamos”, e que “vemos como por um espelho em enigma” [1Co 13.9, 12], põe em relevo quão reduzida porção dessa sabedoria realmente divina nos é dada na presente vida. Ora, ainda que essas palavras não indiquem simplesmente que, por quanto tempo gememos sob o fardo da carne, a fé é imperfeita, mas ainda que de nossa imperfeição resulte que se nos faz necessário exercitar-nos a aprender continuamente, contudo o Apóstolo indica que em nossa parca medida e limitações não se pode compreender o que é imensurável. E Paulo proclama isso em toda Igreja: mas a cada um de nós sua própria ignorância constitui obstáculo e impedimento, para que não se chegue tão perto quanto seria de se desejar. Com efeito, ele mesmo prova em outro lugar quão grande é a certeza que nos propicia, mesmo uma gotícula, quando afirma que, por meio do evangelho, de face descoberta e sem o estorvo de nenhum véu, com tão grande eficácia contemplamos a glória de Deus para que sejamos transformados à sua própria imagem [2Co 3.18]. Em tais envoltórios de ignorância é inevitável que ao mesmo tempo nos vejamos muitíssimo enredilhados por dúvida e vacilação, uma vez que nosso coração, por um como que natural instinto, propende de modo especial à incredulidade. Aqui sucedem tentações que, não só infinitas em número, mas variadas em natureza, de quando em quando nos assaltam com grande ímpeto. Acima de tudo, a própria consciência, oprimida pela gigantesca massa dos pecados, ora deplora e geme em seu íntimo, ora se acusa, ora murmura em silêncio, ora irrompe em franco tumulto. Portanto, quer as coisas adversas manifestem a ira de Deus, quer em si mesma ache a consciência argumento e matéria, daí a incredulidade saca armas e apetrechos para destroçar a fé, a qual por fim se destina perpetuamente a este propósito: que, julgando ser-nos Deus adverso e indiferente, não esperemos dele bem algum, nem o temamos como a um inimigo capital.

João Calvino