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domingo, 19 de agosto de 2018

O PERENE CONFLITO DO CORAÇÃO CRENTE, DIVIDIDO ENTRE O PODER DO ESPÍRITO E A TENTAÇÃO DA CARNE, DECORRÊNCIA DA IMPERFEIÇÃO DA FÉ

Para que se compreenda isto, faz-se necessário retornar àquela distinção de carne e espírito de que fizemos menção em outro lugar, a qual se patenteia mui lucidamente neste ponto. Ora, o coração piedoso sente em si tal distinção, uma vez que, em parte, é inundado de dulçor ante o reconhecimento da bondade divina; em parte é sufocado pelo amargor ante o senso de sua calamidade; em parte, reclina-se na promessa do evangelho; em parte, se inflama pelo testemunho de sua iniqüidade; em parte, exulta com a expectação da vida; em parte, se apavora com a morte. Variação esta que decorre da imperfeição da fé, uma vez que no curso da presente vida nunca as coisas vão tão bem conosco que, curados de todo ataque de desconfiança, somos plenamente plenificados e possuídos de fé. Daqui esses conflitos: quando a desconfiança que se apega aos remanescentes da carne se insurge para atacar a fé que foi interiormente concebida. Se, pois, a certeza é misturada de dúvida na mente piedosa, porventura não volveremos sempre ao questionamento de que a fé não é um conhecimento certo e líquido da vontade divina para conosco, antes, um conhecimento obscuro e confuso? De modo algum, por certo. Pois, nem se formos puxados em direções diversas por variados pensamentos, somos por isso diretamente alijados da fé; nem se de todos os ladosformos premidos pela inquietação da desconfiança, por isso mergulhamos no abismo; nem se formos violentamente sacudidos, somos por isso derrubados de nosso pedestal. Com efeito, deste conflito o fim será sempre que a fé vence, afinal, essas dificuldades, pelas quais assim assediada, parece periclitar.

João Calvino