COMO CRISTO CUMPRIU AS FUNÇÕES DE REDENTOR PARA QUE NOS
ADQUIRISSE A SALVAÇÃO. ONDE SE TRATA DE SUA MORTE E
RESSURREIÇÃO, BEM COMO DA ASCENSÃO AO CÉU
As coisas que até aqui temos dito a respeito de Cristo
devem ser referidas a este único escopo: que, condenados, mortos e perdidos em
nós mesmos, nele busquemos justiça, libertação, vida e salvação, como somos
ensinados nessa insigne afirmação de Pedro: “debaixo do céu nenhum outro nome
há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos” [At 4.12]. Na verdade,
não lhe foi imposto o nome JESUS às cegas, ou por fortuito acaso, ou pelo
arbítrio de homens; pelo contrário, foi trazido dos céus por um anjo,
mensageiro de um decreto supremo, anexada também a razão: que ele foi enviado
para salvar o povo de seus pecados [Mt 1.21]. Com estas palavras lhe é confiado
o ofício de Redentor, para que fosse assim nosso Salvador. Entrementes,
incompleta, todavia, nos seria a redenção, a não ser que, mediante avanços
contínuos, ele nos conduzisse integralmente à meta última da salvação. E assim,
tão logo dele nos desviamos, ainda que um mínimo apenas, aos poucos a salvação
se nos desvanece, a qual reside nele integralmente. De sorte que, por certo, de
toda a graça se privam todos quantos nele não se arrimam. E digna de lembrança
é esta advertência de Bernardo: “O nome de Jesus não é apenas luz, mas também
alimento. É também óleo, sem o qual se resseca todo manjar da alma; é sal, sem
cuja condimentação é insípido tudo quanto se põe diante de nós. Enfim, é mel na
boca, melodia no ouvido, júbilo no coração e, ao mesmo tempo, remédio; e insípido
é tudo quanto se discute, a não ser onde ressoe este nome.” Mas aqui se faz
conveniente ponderar diligentemente como a salvação nos é por ele engendrada,
para que não só estejamos persuadidos de que ele é seu autor, mas, havendo
abraçado as coisas que servem de sólido suporte à nossa fé, repudiemos todas as
coisas que podem nos afastar para aqui ou para ali. Ora, uma vez que ninguém
pode descer dentro de si mesmo e sondar seriamente o que quer que seja sem que,
sentindo a Deus irado e hostil para consigo, não tenha necessidade de buscar
ansiosamente meio e maneira de aplacá-lo; o que exige satisfação requer-se certeza não comum,
visto que sobre os pecadores, até que tenham sido absolvidos da culposidade,
cai sempre a ira e maldição de Deus, o qual, visto ser justo Juiz, não deixa
impune quem viola sua lei; pelo contrário, armado ele está para a punição.
João Calvino