O ARREPENDIMENTO É COROLÁRIO IMPRESCINDÍVEL DA FÉ
Se bem que, em certa medida, já ensinamos como a fé possui a Cristo, e através
dela desfrutamos de suas benesses, isso, no entanto, seria ainda obscuro, a não ser
que se adicione uma explicação dos efeitos que sentimos dela. Não sem fundamento,
a suma do evangelho fixa-se no arrependimento e no perdão dos pecadas [Lc
24.47; At 5.31]. Logo, omitidos esses dois tópicos, será fria e mutilada, e até quase
inútil, toda e qualquer discussão da fé. Ora, uma vez que Cristo nos confere ambas
essas coisas, isto é, novidade de vida e reconciliação graciosa, e a ambas alcançamos
pela fé, discute-se a razão e método de ensinar, ambas as quais começo a dissertar
neste ponto.
O próximo passo, porém, nos será da fé ao arrependimento, porque, conhecido
adequadamente esse ponto, melhor se evidenciará como somente pela fé e puro
perdão o homem é justificado; contudo, a graciosa imputação de justiça não é separada,
por assim dizer, da real santidade de vida. Entretanto, deve estar fora de controvérsia
que o arrependimento não apenas segue de contínuo a fé, mas inclusive
nasce dela. Ora, uma vez que pela pregação do evangelho é oferecido perdão e
remissão para que o pecador, liberado da tirania de Satanás, do jugo do pecado e da
mísera servidão dos vícios, seja transportado ao reino de Deus, por certo que ninguém
pode abraçar a graça do evangelho a não ser que se afaste dos erros da vida e
tome a via reta, e aplique todo seu esforço à prática do arrependimento. Mas, os que
pensam que o arrependimento precede à fé e não é produzida por ela, como o fruto
de sua árvore, estes jamais souberam no que consiste sua propriedade e natureza, e,
ao pensar assim, se apoiam num fundamento sem consistência.
João Calvino