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quinta-feira, 16 de agosto de 2018

A MORTE DE CRISTO É O PREÇO DE NOSSA REDENÇÃO, DONDE AUFERIMOS PERDÃO, JUSTIFICAÇÃO E VIDA


Tampouco os apóstolos mencionam obscuramente ter Cristo pago o preço mediante o qual nos redimisse da penalidade da morte. “Justificados por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo, a quem Deus constituiu i`lasth,rion [(n – propiciação] mediante a fé que há em seu sangue” [Rm 3.24, 25]. Nisto Paulo está a enaltecer a graça de Deus, visto que proveu o preço de nossa redenção na morte de Cristo; então, ordena que nos refugiemos em seu sangue, para que, havendo alcançado a justiça, nos postemos seguros ante o juízo de Deus. Significa o mesmo esta afirmação de Pedro: “Redimidos não com ouro e prata; ao contrário, com o precioso sangue de um cordeiro imaculado” [1Pe 1.18, 19]. Ora, esta antítese nem seria congruente, a não ser que com este preço se houvesse feito expiação pelos pecados, razão por que Paulo diz que “fomos comprados com elevado custo” [1Co 6.20]. Além disso, seria insustentável outra afirmação sua: “Um só Mediador, o qual se deu como resgate” [1Tm 2.5, 6], a menos que sobre ele fosse lançada a pena que teríamos merecido. Por isso, o mesmo Apóstolo define a redenção no sangue de Cristo como “a remissão dos pecados” [Cl 1.14], como se estivesse a dizer que somos justificados ou absolvidos diante de Deus, porque esse sangue responde como expiação por nós. Ao que se afina também outra passagem: “foi cancelado na cruz o título de dívida que nos era contrário” [Cl 2.14]. Pois aí se registra quitação ou compensação que nos desonera da pena. Grande peso subjaz também a estas palavras de Paulo: “Se somos justificados em função das obras da lei, então Cristo morreu em vão” [Gl 2.21]. Ora, daqui inferimos que em Cristo se deve buscar o que a lei conferiria, se alguém a pudesse cumprir, ou, o que é o mesmo, que alcançamos pela graça de Cristo o que na lei de Deus prometeu a nossas obras: “Quem fizer estas coisas, por elas viverá” [Lv 18.5]. Isto Paulo confirma, não com menos clareza, no sermão pregadoem Antioquia, afirmando que “ao crermos em Cristo, somos justificados de todas as coisas das quais não pudemos ser justificados na lei de Moisés” [At 13.38, 39]. Pois, se a observância da lei é a justiça, quem haverá de negar que Cristo nos mereceu favor enquanto, assumido este ônus sobre si, com Deus nos reconcilia exatamente como se fôssemos cumpridores da lei? Ao mesmo contempla o que depois disto ensina aos gálatas: “Deus enviou seu Filho, sujeito à lei, para que redimisse aos que estavam debaixo da lei” [G1 4.4, 5]. A que propósito, pois, esta sujeição de Cristo à lei, senão que gerou nossa justiça, assumindo ele o encargo de pagar o que não teríamos o poder de saldar?
Daqui essa imputação de justiça sem obras, acerca da qual Paulo discorre [Rm, cap. 4], a saber, que se conta e se aceita em nosso favor a justiça que só em Cristo foi achada. E a carne de Cristo, não por outra razão, é chamada “nosso alimento”, visto que nele encontramos a subsistência da vida [Jo 6.55]. Com efeito, este poder não provém de outra fonte, senão porque o Filho de Deus foi crucificado como preço de nossa justiça. Como diz Paulo: “Ele se entregou em sacrifício, em aroma de suave fragrância” [Ef 5.2]. E, em outro lugar: “Morreu em função de nossos pecados, ressuscitou em função de nossa justificação” [Rm 4.25]. Donde se conclui não só que por intermédio de Cristo nos foi outorgada a salvação, mas ainda que, por sua graça, o Pai nos é agora propício. Pois, não há dúvida de que nele plenamente se cumpre o que Deus declara, figurativamente, através de Isaías [37.35]: “Farei isto por mim e por Davi, meu servo”, do que a melhor testemunha é o Apóstolo, quando diz: “Perdoados são vossos pecados por amor de seu nome” [1Jo 2.12]. Ora, se bem que nesta passagem não há menção do termo Cristo, João, entretanto, segundo seu costume, está a designá-lo sob o pronome auvto,j [aut(s]. Nesta acepçãotambém fala o Senhor: “Assim como eu vivo pelo Pai, também vivereis vós por mim” [Jo 6.57]. Com isso também concorda o que Paulo diz: “Foi-vos dado por causa de Cristo (u`pe,r Cristou/ [hyp$r Christoû] não apenas que nele creais, mas ainda que por ele sofrais” [Fp 1.29].

João Calvino