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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A ESPERANÇA É INDISSOLUVELMENTE ASSOCIADA À FÉ; AQUELA RESULTA NECESSARIAMENTE DESTA

Ora, onde quer que exista esta fé viva, necessariamente irá acompanhada da esperança na vida eterna; ou, melhor dizendo, ela a engendra e produz. E se não temos esta esperança, por mui eloqüente e elegantemente que falemos da fé, é indubitável que não existe em nós nenhum indício dela. Ora, se a fé, como se ouviu, é a segura convicção acerca da verdade de Deus, porque não pode mentir-nos, nem nos enganar, nem ser vã, quantos conceberam esta certeza de fato esperam, ao mesmo tempo, que Deus haverá de cumprir suas promessas, as quais, em sua convicção, não podem outra coisa ser senão verdadeiras, de sorte que, em suma, a esperança não pode ser outra coisa, senão a expectativa dessas coisas que a fé tem crido ser verdadeiramente prometidas por Deus. Desse modo, a fé crê que Deus é veraz; a esperança espera que, no tempo oportuno, ele exiba sua verdade. A fé crê que Deus é nosso Pai; a esperança espera que isso nos seja sempre demonstrado. A fé crê que a vida eterna nos foi dada; a esperança espera que um dia ela haja de ser revelada. A fé é o fundamento sobre que a esperança repousa; a esperança nutre e sustém a fé. Como, pois, ninguém pode esperar de Deus absolutamente nada, a não ser quem antes creu nas promessas, assim, por outro lado, importa que a fragilidade de nossa fé seja mantida e sustentada, esperando pacientemente, a fim de que não desfaleça. Razão por que Paulo, com muito acerto, coloca nossa salvação na esperança [Rm 8.24]. Porque, enquanto em silêncio espera o Senhor, ela contém a fé, para que não se arroje com demasiada impetuosidade; firma-a, para que não vacile nas promessas de Deus, nem comece a duvidar de sua verdade; reanima-a, para que não sucumba à fadiga; assiste-a até essa meta final, para que não falhe no meio da corrida, ou até mesmo no ponto de partida; enfim, ao renová-la e restaurá-la constantemente, faz com que mantenha sua perseverança, dia a dia, mais robustecida. E de quantas razões são realmente necessários os subsídios da esperança para que a fé tenha estabilidade, melhor se patenteará se ponderarmos de quantas formas de tentações são acometidos e sacudidos aqueles que têm abraçado a Palavra de Deus. Primeiramente, ao delongar suas promessas, freqüentemente, o Senhor nos mantém de ânimo suspenso por mais tempo do que gostaríamos. Este é o ofício da esperança: executar o que o Profeta ordena: se as promessas se delongarem, contudo, esperemos [Hc 2.3]. De vez em quando o Senhor não só nos deixa enlanguescer, mas até nos ostenta franca indignação. Aqui muito mais necessário é que a esperança socorra nossa fé, para que, segundo o dito de outro Profeta, possamos afirmar: “esperarei o Senhor, que esconde sua face da casa de Jacó” [Is 8.17]. Além disso, levantam-se os que desdenham, como diz Pedro, e perguntam: “Onde está a promessa de sua vinda, porquanto desde que os pais adormeceram, tudo continua desde o início da criação?” [2Pe 3.4]. Com efeito, essas mesmas coisas nos sussurram a carne e o mundo. Aqui, importa que a fé, sustentada na paciência da esperança, seja conservada fixa na contemplação da eternidade, para que considere que “mil anos são como um só dia” [Sl 90.4; 2Pe 3.8].

João Calvino