Entretanto, visto ser a fé a principal obra sua, a ela se referem em grande parte
as asserções que, a cada passo, ocorrem nas Escrituras para expressar-lhe o poder e
a operação, porquanto somente através dela ele nos conduz à luz do evangelho,
como João Batista ensina: aos crentes em Cristo foi dado o privilégio de serem
filhos de Deus, os quais não nasceram da carne nem do sangue, mas de Deus [Jo
1.12, 13], onde, opondo Deus à carne e ao sangue, afirma ser um dom sobrenatural
que, mediante a fé, recebam a Cristo, os quais, de outra sorte, permaneceriam entregues
à sua incredulidade. Ao que é semelhante esta resposta de Cristo: “Não foi
carne e sangue que to revelou, mas meu Pai que está nos céus” [Mt 16.17], coisas
nas quais agora toco de modo conciso, porque delas já tratei extensamente em outra
lugar.
Semelhante é também esta declaração de Paulo: tiverem sido os efésios “selados
com o Espírito Santo da promessa” [Ef 1.13]. Ora, Paulo está a mostrar que o
Espírito Santo é o eterno ensinador, pela operação de quem à mente nos penetra a
promessa da salvação, promessa que, de outra sorte, apenas feriria o ar ou nossos
ouvidos. De igual forma, onde diz que os tessalonicenses foram “eleitos por Deus
na santificação do Espírito e na fé da verdade” [2Ts 2.13], contexto em que adverte,
em termos breves, que a própria fé não procede de outra parte senão do Espírito.
Isto João explica mais claramente: “Nós sabemos que ele permanece em nós mediante
o Espírito que nos deu” [1Jo 3.24]. Igualmente: “Disto sabemos que permanecemos
nele, e ele em nós, porque nos deu de seu Espírito” [1Jo 4.13]. E assim, para
que fossem capazes da sabedoria celestial, Cristo prometeu a seus discípulos “o
Espírito da verdade que o mundo não pode receber” [Jo 14.17]. E lhe atribui como ofício próprio isto: trazer à lembrança o que ele próprio ensinara com a boca, uma
vez que se ofereceria luz aos cegos, a não ser que aquele Espírito de entendimento
lhes abrisse os olhos da mente. De sorte que se pode, corretamente, chamá-lo a
chave com que se nos abrem os tesouros do reino celestial e sua iluminação a agudeza
da visão de nossa mente. Por isso tanto encarece Paulo “o ministério do Espírito”
[2Co 3.6], porque clamariam sem proveito os ensinadores, a não ser que o
próprio Cristo, o Mestre interior, por seu Espírito a si atraísse os que lhe foram
dados pelo Pai [Jo 6.44].
Portanto, como na pessoa de Cristo dissemos achar-se perfeita salvação, assim,
para que nos tornemos dela participantes, “batiza-nos ele no Espírito Santo e no
fogo” [Lc 3.16], iluminando-nos à fé viva de seu evangelho, e assim nos regenera
para que sejamos “novas criaturas” [2Co 5.17], e, purificados das impurezas profanas,
a Deus nos consagra por templos santos [1Co 3.16, 17; 6.19; 2Co 6.16; Ef
2.21].
João Calvino