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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

EM CRISTO AS DUAS NATUREZAS NÃO SE FUNDEM, NEM SE SEPARAM; AO CONTRÁRIO, SÃO UNIDAS, PORÉM DISTINTAS


E se os leitores a aplicarem inteligentemente, esta observação haverá de ser não de uso reduzido para resolver numerosíssimas dificuldades. Pois é de admirar como expressões desse teor têm aturdido aos incultos, e até mesmo a alguns que não são de todo indoutos, quando vêem expressões como essas sendo atribuídas a Cristo, não sendo nem bastante próprias à sua divindade, nem à sua humanidade. Isso só porque não atentam para o fato de que convémà sua pessoa, na qual se manifestou como Deus e homem, e ao seu ofício de Mediador. E deve simplesmente considerarse quão esplendidamente se harmonizam entre si, uma por uma, contanto que consideremos tais mistérios com a sobriedade e reverência que bem merecem. Entretanto, para os espíritos dementes e frenéticos nada há que não lancem em confusão! Apegam-se aos atributos da humanidade para alijar a divindade; apegamse, por outro lado, aos atributos da divindade para alijar a humanidade; apegam-se aos atributos que, na realidade, tão interligadamente foram referidos acerca de ambas essas naturezas, os quais não convêm a nenhuma das duas separadamente, para alijar a ambas. Não obstante, o que tudo isso é senão contender que Cristo não é homem, já que é Deus; não é Deus, já que é homem; não é nem homem, nem Deus, já que é, a um só tempo, tanto homem quanto Deus? Portanto, uma vez que ele é Deus e homem, constante de duas naturezas unidas, todavia não fundidas, concluímos ser Cristo nosso Senhor e verdadeiro Filho de Deus, até mesmo em relação à humanidade, se bem que não em razão da humanidade. Portanto, para longe de nós o erro de Nestório, o qual, querendo antes separar que distinguir as duas naturezas, engendrava assim um duplo Cristo, quando vemos a Escritura bradar em contrário, com voz clara, onde não só se aplica o título de Filho de Deus Àquele que é nascido da Virgem [Lc 1.32], mas também a própria Virgem é chamada mãe de nosso Senhor [Lc 1.43]. Devemos precaver-nos também da insânia eutiquiana, para que, enquanto queremos salientar a unidade da pessoa, não destruamos a uma e à outra natureza. Ora, já citamos tantos testemunhos nos quais a divindade se distingue da humanidade; e tantos outros, por toda parte subsistem, que podem tapar a boca até mesmo aos mais contenciosos. E daqui a pouco anexarei alguns testemunhos a mais, que melhor desmantelem essa ficção. Para o momento, nos será suficiente uma passagem, a saber: Cristo não teria denominado seu corpo de templo [Jo 2.19], a não ser que nele habitasse distintamente a divindade. Por isso, como Nestório fora merecidamente condenado no Sínodo de Éfeso, assim também, ao depois, Êutiques também o foi nos sínodos constantinopolitano e calcedôneo, uma vez que não é mais permissível fundir as duas naturezas em Cristo do que separá-1as.

João Calvino